ROTA DE SABORES
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A TRAVESSIA DA Z DELI
Rosa Raw está presente, o símbolo da resistência e transformação, com a geração que a sucede espalhando o legado de amor à cidade que ela construiu com Zenaide e Lonka, o admirável trio que concebeu a delicatessen.
Dos frenéticos anos 80 à loucura deste século 21, a deli icônica de São Paulo atravessa o tempo com a coragem e grandeza de quem escreve a história. Rosa Raw está presente, o símbolo da resistência e transformação, com a geração que a sucede espalhando o legado de amor à cidade que ela construiu com Zenaide e Lonka, o admirável trio que concebeu a delicatessen. Agora, a Z Deli reinaugura o endereço original com um restaurante que aviva as boas lembranças e constrói novas.
A marca ícone da comida judaica de São Paulo atravessa gerações propagando os mesmos valores de seu surgimento: a celebração dos encontros, o convite à diversidade e os encantos da cultura judaica — sejam os divertidos hábitos das íidish mama, sejam os sabores fantásticos de sua culinária.
Quem estava lá nos anos 1980, como eu, recém-chegada a SP, ainda lembra os perfumes peculiares da cozinha judaica provocando a curiosidade e a fome. Descendo ou subindo a Haddock, indo ou vindo pela Lorena, a parada era obrigatória para falar com a Zenaide, a Rosa e a Lonka. Bastava ir uma vez, e não podia mais escapar: qualquer uma delas surgia da cozinha chamando pelo nome! Caaarlaaa, saudava Zenaide, puxando meu braço para saber das novas e contar as suas. E eu quase fui trabalhar com elas, a convite, quando a vida me levou para outros lados. A conversa com Zenaide ia adiante...
Enquanto escutava, por cima do ombro, eu admirava a vitrine com o patê de fígado de galinha, o de ovos, os varenikes com cebola, o sanduíche de pastrami e mostarda que eu já tinha em mente pedir — uma boa parte da vitrine eram pratos da culinária judaica e judaico-americana, sem necessariamente serem kosher*. Tudo era atração no jeito delicatessen de servir e comer: comida boa, farta e muito afeto.
O sanduíche de pastrame e mostarda
As delicatessen surgiram na Alemanha como casas de comércio de alimentos finos, não-industrializados em geral: carnes, embutidos, queijos. Os imigrantes europeus que foram para os Estados Unidos carregaram esse costume e, com suas famílias, desenvolveram negócios com as deli vendendo, também, alimentos prontos para consumir no local. Em Nova Iorque, se tornaram uma referência. As três sócias — as cunhadas Rosa e Zenaide e a amiga Lonka — criaram a Z Deli a partir daí e se tornou um sucesso que nunca se extinguiu, pelo contrário: cresceu e se transformou.
Era assim: no início dos anos 1980, a deli paulistana.
Julio Raw, neto da Rosa e sobrinho-neto da Zenaide, entrou no negócio, e em 2011 inaugurou a própria sanduicheria Z Deli, que atualmente tem unidades em Pinheiros, no Itaim, Jardins e no Centro de SP. Julio trouxe uma nova proposta para a marca, novos públicos, a expansão com mais unidades e muitos prêmios. Os famosos sanduíches da Z Deli foram o mote para ele iniciar o que hoje é uma rede premiada por sucessivos anos com o melhor hambúrguer da cidade.
Um restaurante & delicatessen que serve uma jovem cozinha paulistana repleta de boas memórias.
Na casa original na Lorena, algumas mudanças foram acontecendo com o tempo até que em 2023 foi definida a reforma para o novo restaurante. Na esquina integrada Lorena-Haddock Lobo, a sineta na porta de entrada começou a tilintar em novembro deste ano e a Z Deli restaurante & delicatessen abriu suas portas já com fila de espera. O restaurante é um projeto feito de memória e sabores, com um menu fusion que une o melhor dos mundos dos sanduíches e das delis — no ambiente, registra-se o olhar carinhoso para toda a história que abriga, premissa dos sócios Julio Raw e Bruno Mester para o projeto arquitetônico. No cardápio, clássicos como o cholent, versão judaica da feijoada, o schnitzel de frango, farfalle com pato, e releituras bem-sucedidas: kibe cru de atum e salada de pato ao estilo asiático. Ainda sinto saudades daquele salad-bar que me tirava do sério... O chef Benê Souza, premiado como revelação, está na cozinha; a carta de vinhos é assinada pelas feras Daniela Bravin e Cassia Campos, o bar tem Danilo Nakamura na consultoria dos drinques, incrementados e deliciosos. Do café da manhã ao jantar, a turma que tem saudades e a que tem curiosidade encontra na Z Deli receitas clássicas da Europa Oriental à pegada foodie paulistana, sempre com a assinatura Z Deli.
As entradinhas fartas e afetuosas na mesa da Z Deli restaurante & delicatessen.
Na trupe que faz tudo funcionar, entre amigos, seguidores e clientes, Dona Rosa seguidamente está lá e se tornou um ícone da história da empresa iniciada por ela e as amigas. Julio faz questão de registrar a presença da avó em postagens carinhosas e divertidas. Ora ele revela que ela fugiu do Einstein para ver como está indo o restaurante; ora ela senta no final de tarde no banco da calçada para conversar e receber os abraços dos fãs, reproduzindo o afeto e gentileza que desfrutamos desde quando tudo começou. Rosa Raw, ou Dona Rosa, como é conhecida, continua firme com seus 97 anos de idade, e foi premiada em 2023 como Personalidade Gastronômica do Ano, pela seleção da Veja Comer&Beber. Na festa da premiação ela estava lá: ganhei aquele abraço e muitas bençãos!
Com as bençãos de dona Rosa Raw: personalidade gastronômica do ano de 2023.
P.S.: Inesquecível o poster do destemido punk com a cabeleira ruiva moicana espetada ao infinito, cravejado de piercings, e os dizeres, em inglês: “I survived a Jewish mother”, que nos recebia logo na entrada com o impagável bom-humor judaico! naqueles tempos.
*Kosher é um termo de origem iídiche que significa "permitido" ou "apropriado". É utilizado para designar alimentos que foram preparados de acordo com as leis judaicas de alimentação — as leis têm origem bíblica e são seguidas por motivos espirituais.
SONHOS, SUOR E GLÓRIAS NO MUNDO DA GASTRONOMIA
Lendo, assistindo e degustando histórias de gente da comida.
O fascínio de cozinhar, de produzir um alimento, um vinho, é um feitiço inescapável para quem é tocado por esse desejo. As histórias da gastronomia comprovam: são muitas, com voltas, reviravoltas e uma infinidade de sabores.
Lendo, assistindo e degustando histórias de gente da comida.
O fascínio de cozinhar, de produzir um alimento, um vinho, é um feitiço inescapável para quem é tocado por esse desejo. As histórias da gastronomia comprovam: são muitas, com voltas, reviravoltas e uma infinidade de sabores.
Podemos começar por um livro que virou filme e narra a saga de uma jovem viúva no século 18 entre vinhas, a dor da perda e a difícil decisão de ir em frente. Ou um episódio de série que mostra um cozinheiro determinado a fazer a melhor pasta, entre a técnica, a resiliência e a aparentemente indecifrável tradição italiana. Ou, ainda, ler as aventuras de uma jornalista brasileira que jura ter comido o mundo todo por onde viajou e relata em livro a colossal jornada. Que tal assistir a epopeia de um jovem negro novaiorquino em busca das chances de ter seu próprio restaurante na cidade?
Não é só sobre comida.
São histórias contadas, narradas em episódios, registradas em imagens belas e suculentas, descritas em detalhes que despertam o apetite e a curiosidade. Como ele conseguiu? Quando ela decidiu virar a mesa? O que ele sentiu ao provar aquela receita? Uma boa história é como um bom prato: atiça o paladar, provoca a sensação de encontrar o Graal, o lar perdido onde a gente quer morar e encontrar um prato quente e reconfortante na cozinha. Por muitas vezes, uma boa história salva: o protagonista e quem se reconhece nela.
O chef Kwame Onwuachi no seu premiado Tatiana.
O livro de Kwame
Salvação - “A comida me trouxe de volta” — é a fala serena do jovem Kwame Onwuachi, chef e criador do Tatiana, seu restaurante ranqueado em 1º lugar em New York, no Lincoln Center, que me chama a atenção para o documentário na tv. Kwame é o personagem real do sétimo episódio da mais recente temporada do Chef’s Table, na Netflix. Nascido no Bronx, filho de uma empreendedora de comida e pai nigeriano, a irmã mais velha tomava conta dele — e da comida que comiam. Adolescente, tornou-se fruto do meio, como ele diz, e a mãe o embarcou para a Nigéria de férias com o avô — só poderia voltar quando “aprendesse a ter respeito”. Voltou, mas não demorou para cair no ritmo anterior. Foi na Universidade que teve o estalo: o estudante descompromissado trocou o comércio ilegal de bebidas e drogas pela comida que um dia preparou para vender aos colegas — o frango ao curry foi o primeiro prato. A partir daí, com erros e acertos, dedicou-se a cozinhar, resgatando as lembranças de seu paladar amalgamado pela diversidade novaiorquina, pela herança africana, pelos sabores da infância nos restaurantes e carrinhos de comida barata — chinesa, indiana, caribenha —, levado pela irmã. Demorou o tempo que tinha que ser: aos 35 anos Kwame já abriu e fechou restaurantes, foi rejeitado pela mídia e depois louvado, frequentou o Culinary Arts, venceu concursos na tv, é o primeiro lugar no 50’s Best Restaurants de 2023, quando, com o Tatiana, nome de sua irmã, encontrou todas as respostas que precisava. Ele ainda é o criador do Dōgon, em Washington D.C.
Kwame se diz tímido, mas não tem medo de falar que sua coragem está em ir em frente enfrentando a si próprio — e vencer. O jornalista Joshua David Stein é co-autor do livro de Kwame Notes from a Young Black Chef, com receitas e dicas que compõem essa história peculiar e admirável que o jovem chef negro está escrevendo.
O livro da escritora, enóloga e best-seller do NYT, Tilar J. Mazzeo
Resiliência — O livro A Viúva Clicquot tem 300 páginas da excitante vida da mulher que construiu um império com seu nome há mais de 200 anos. Tilar Mazzeo, a autora, fez uma profunda pesquisa, baseada em viagens, visitas in loco e experimentações pelo mundo atrás das evidências da vida pessoal de Barbe-Nicole Ponsardim, la grande dame Veuve Clicquot. Mazzeo buscava a mulher por trás do rótulo laranja, da imagem rotunda e sisuda que ilustra, sem cor, sua presença imponente. Encontrou a própria história do Champagne, a bebida nascida na região francesa onde a Viúva Clicquot viveu e construiu seu reinado. Impossível escrever uma sem a outra. A obra é detalhada e se não traz toda a intimidade de Barbe-Nicole, como gostaria de ter-se aprofundado, faz suposições bastante plausíveis. Mazzeo usa fatos para supor cenas, quando diz que”
No filme lançado nos cinemas no Brasil em 2024, com o mesmo título, o enfoque recai sobre a relação de Barbe-Nicole e o marido, François Clicquot, quem a introduz no mundo dos vinhos. Com a morte de François, a história destaca as escolhas que essa jovem, viúva e mãe, aos 27 anos, faz para prosseguir com os sonhos do falecido, agora os dela própria. Barbe-Nicole tinha outras opções, bem-nascida e articulada, do que tomar a frente dos negócios em um mercado dominado pelos homens, suscetível às constantes guerras e restrições, mas seu espírito empreendedor, resiliente e audaz a faz ir em frente com a produção vinícola enfrentando inúmeros revezes. Até conquistar o mundo com o seu champagne.
Pasta – Evan Funke ainda não sabia os rumos que tomaria, nascido entre os cinco filhos de um casal bem-sucedido na carreira cinematográfica em Santa Monica, na California. Ele conta essa história em cenas lindas no episódio sobre macarrão da série Chef’s Table. É a pasta quem vai conduzir sua jornada até alcançar a realização pessoal — e profissional — ao se dedicar a fazer com as mãos a massa perfeita. Funke se viu intrigado com a magia do que poderia parecer simples: misturar farinha e ovos e obter a pasta. Desafiado pela paixão que descobriu em si, foi atrás da fonte da sabedoria. Sem falar a língua, determinado a aprender, Funke foi morar em Bologna, na Itália, atrás de Alessandra Spisni, para cursar sua escola, a Vecchia Scuola Bolognese. A bem-humorada nonna repete para Funke como é a receita: farina, uova e il cuore! Para ele, foi o chamado para entregar corpo e alma à feitura da pasta perfeita.
Tanta dedicação e empenho levaram Funke a escrever o livro de receitas American Sfoglino, que se aprofunda na beleza e tradição da sfoglia, que é uma folha de massa enrolada à mão, compartilhando técnicas clássicas dessa autêntica pasta da Emilia-Romagna. O livro recebeu dois prêmios nos Estados Unidos, em 2020: Melhor Livro de Receitas, Chefs e Restaurantes e Melhor Fotografia, da James Beard Foundation. Funke é o fundador de seis restaurantes nos Estados Unidos, cinco na California e um em Miami, na Florida.
Evan Funke faz a massa perfeita.
O livro de aventuras de Jussara Voss
Tudo – Jussara Voss empunhou talheres e seu apetite para rodar o mundo e comer — queria conhecer todos os restaurantes possíveis. Ela saiu de casa, em Curitiba, e partiu com essa intenção. No seu livro Juro que comi, Editora Telaranha, 2024, estão 124 restaurantes em 17 países! A jornalista, blogueira e economista não é só plural consigo mesma, mas também com a diversidade de lugares e pratos que sem medo se propõe a comer: tem de tudo. As crônicas da autora narram a experiência desde que chega à cidade, destacam algum acontecimento peculiar, como passar algumas horas no banheiro, em Londres, ou viajar para o frio a 650km de Estocolmo para comer perto do Polo Norte... Ela não desiste.
“Você comeu o cardápio inteiro”, diz o garçom para Jussara em Barcelona. Ainda que porções reduzidas, pois estava sozinha, enfrentou a sequência com 27 pratos sem sofrer, pelo contrário. Jussara tem esse espírito e esse estômago: gentil e corajoso. Vale a pena passear com ela pelas páginas do livro, ainda que o apetite — e o hábito de cozinheira — me tenha feito procurar pelos pratos e as receitas. Juro que fiquei com fome!
PADEIRAS, PADEIROS E PADARIAS:HISTÓRIAS DE FERMENTAÇÃO
PADEIRAS, PADEIROS E PADARIAS:
HISTÓRIAS DE FERMENTAÇÃO
Se nos registros históricos, o pão surgiu com a coleta de trigo selvagem misturado à água e essa massa levada ao fogo para assar, junto às carnes de caça, nos nossos dias ficou fácil — e gostoso — encontrar pães de fermentação natural feitos por padeiras e padeiros por toda a São Paulo. O pão ancestral está aqui e nem é preciso enfrentar feras e dragões para tê-lo: só o tempo.
Se nos registros históricos, o pão surgiu com a coleta de trigo selvagem misturado à água e essa massa levada ao fogo para assar, junto às carnes de caça, nos nossos dias ficou fácil — e gostoso — encontrar pães de fermentação natural feitos por padeiras e padeiros por toda a São Paulo. O pão ancestral está aqui e nem é preciso enfrentar feras e dragões para tê-lo: só o tempo.
O pão de A Padeira (foto Bruno Geraldi)
O pão é o alimento que escreve a nossa história como Humanidade, em tempos que avançam no passado até muito antes da prática da agricultura, que, acreditava-se, teria permitido sua invenção. Não foi bem assim. Os mais recentes achados arqueológicos na Jordânia comprovam a existência do pão antes do cultivo de grãos — há 14 mil anos... A partir de um trigo selvagem, utilizado pelos caçadores-coletores do Neolítico, misturado à água e posteriormente assado, com o fogo feito para as carnes, criou-se o pão. Depois vieram as descobertas da fermentação e surgiu o pão como o conhecemos agora, aquele que virou moda pegar com a mão e perguntar: “É levain?”, caprichando no sotaque.
Levain, sour dough, masa madre são os nomes nas diferentes línguas que identificam o fermento, a massa-mãe, como em português, no processo de fermentação natural para fazer pão — o “bichinho”, como chamam a cultura de bactérias e leveduras resultante da mistura de farinha e água. Aí começa a história e ela nunca termina: a fermentação ultrapassou os séculos para ser a estrela da panificação da nossa era, seja pelas trends da gastronomia, seja pelos benefícios à saúde, seja pelo prazer e gosto de saborear esse pão feito de tempo, história e a paixão e dedicação de padeiros e padeiras.
Claudia Rezende escreve uma admirável trajetória com o pão artesanal, recheada de plot twists, que a levaram a criar a original Zestzing Padaria Artesanal. Sua história é tão rica e saborosa como seus pães. Ela tem formação em artes (como eu), fez carreira em comunicação (eu também) e mudou seu traçado para fazer pão: foi estudar na California e na França as melhores técnicas de panificação e viennoiserie. Curiosa, comprometida e determinada, ela está sempre atualizada e nunca desliga de sua cria, a massa-mãe de seus pães. “Na panificação, é preciso entender os processos para obter o melhor resultado: o pão requer sensibilidade, é um ser vivo, com quem a gente precisa se conectar para alcançar o melhor resultado” — narra a padeira. Eu sinto na boca o que ela quer dizer, ao provar um naco crocante, firme e delicioso de seu pão de base, o campagne da casa.
Claudia na vitrine na Zestzing com as delícias da sua viennoiserie
Claudia conta que cada padeiro escolhe as características de seu pão — mais ácido, mais láctico. Isso é determinado pela fermentação natural. A vantagem da fermentação natural é que ela baixa o índice glicêmico do pão, no processo químico que quebra o amido e os açúcares — o que oferece grandes benefícios na digestão do alimento. “Tudo é demorado”, ela ressalta, “mas ganhamos mais aroma e sabor”. Os croissants de Claudia que o digam: apaixonada pela viennoiserie, seus croissants são considerados os melhores da cidade e por eles, e todo o conjunto da obra, a Zestzing e Claudia vêm recebendo prêmios como os de Veja São Paulo, SP Gastronomia e mais.
Croissants da Zestzing estão entre os melhores de SP
Ela destaca que o tempo é o ingrediente indispensável para o pão. Para nós, a paciência, pois a Zestzing abre em horários especiais, e fico esperando na porta para levar o pão de forma multigrãos, a baguete, croissants... As quiches de espinafre costumam estar na minha mesa uma vez por semana junto a uma salada frugal — me sinto picnicando, com os dedos agarrando as coisas, gulosa, para não perder nem uma casquinha.
É com Alethéa Suedt que se torna possível conhecer outro lado dessa saga do pão: o cultivo dos grãos. Na Vila Beatriz, Alethéa inaugurou A Padeira em 2016, mas já vinha produzindo e comercializando de forma itinerante os seus pães de fermentação natural. Ela cursou Gastronomia em São Paulo e especializou-se em panificação na França. Construiu com as mãos na terra e o mira na qualidade a sua missão: em A Padeira, planta-se o próprio trigo, moem-se os grãos, cultiva-se o fermento, manuseia-se cada fornada, pão por pão. Frescos e de fabricação limitada, todos os pães são produzidos pessoalmente por Alethéa e a equipe, formada apenas por mulheres padeiras. Esse movimento todo, intitulado “Da Terra ao Pão”, nasceu quando Aléthea entendeu que o pão artesanal começava muito antes da farinha, ainda no campo. O cultivo de centeio e trigo é feito em Piracaia, no interior de São Paulo, e nas cidades de Constantina e Ibirubá, no Rio Grande do Sul. Selecionar os grãos, plantar, cuidar, colher, beneficiar o trigo e transportar são as etapas iniciais da produção do pão artesanal, que leva em torno de nove meses — não deve ser coincidência...
A padeira Alethea Suedt (foto Ilana Lichtenstein)
Faz diferença: os pães são obras artesanais originais e deliciosas. De lá, sou a cliente do pão ancestral, cascudo e potente, o brioche de lavanda, uma delicadeza. Agora, nas festas, a cesta de Natal me capturou: além do pão, tem panforte (perdição), azeite, mel e um café especial cheiroso da Catarina Coffee Lovers!
O Luiz Américo Camargo, jornalista, escritor, padeiro e empresário, autor de dois dois livros sobre o assunto — Pão Nosso e Direto ao Pão — aborda todas as formas de fazer, entender e comer pão. Ele se diz um comunicador do pão, cruzando fronteiras para levar aulas, palestras e cultura sobre esse alimento milenar que sustenta a Humanidade. Luiz Américo e os sócios Marie Camicado e Fabio Kow fundaram a padaria Na Janela, onde produzem enorme variedade de pães, rústicos, macios, e diversos folhados crocantes e perfeitos para levar ou comer na hora. Os rústicos são o Da Capa (do livro), e os de azeitonas, de chocolate e castanhas, nozes, as bengalas e baguettes.
No meio, Luiz Américo, com os sócios Marie Camicado e Fabio Kow
Na Janela e os bagels
Eu mesma sou fã dos bagels, que me transportam para um lunch no East Village, com seu perfume defumado de salmão e cream, quando vivi na cidade. Na Janela já tem a quarta loja inaugurada em um ano de funcionamento, espalhando por toda a cidade o cheirinho de fermento, cultura e história do pão artesanal.
Estrela dourada: pandoro é o bolo cool das festas
Estrela dourada: pandoro é o bolo cool das festas
Em formato de estrela com oito pontas, o pão de ouro é bonito, leve e uma atração nas mesas festivas. Uma charmosa receita italiana!
Em formato de estrela com oito pontas, o pão de ouro é bonito, leve e uma atração nas mesas festivas. Uma charmosa receita italiana!
Pandoro cheio de charme nas mesas das festas
De vez em quando eu paro em frente a alguma vitrine de doces e fico imaginando o sabor das coisas que (ainda) não conheço. Stalkeando mesmo: nas calçadas de Higienópolis, nas confeitarias de rua, de malls, nos vidros bisotados parisienses, entre os letterings exagerados dos doceiros em New York... Sempre tem novidade! Uma deliciosa está saindo da caixa e conto aqui.
Colomba na Páscoa, panetone no Natal, bolo de reis em janeiro, chocotone a qualquer hora... o público vai provando e absorvendo histórias para os alimentos e receitas e o mercado coloca na prateleira uma novidade a cada temporada — até que elas se tornem parte dos costumes e da vida cotidiana. Agora é a vez do pandoro, ou pão de ouro. Um bolo em formato de estrela, feito com ovos e manteiga, fofo e dourado, com uma nevezinha de açúcar por cima — um charme delicioso! Leve, de fermentação natural, ele conquista com esse visual e um aroma próprio, a partir de um blend de essências cítricas, que lhe dá sabor de laranjinhas.
O pandoro garante ser uma presença de destaque nas festas que encerram o ano, daqui para a frente. Pela originalidade do sabor e o plus de provocar o espírito da beleza nas mesas de Natal. O bolo pode ser decorado com detalhes: sejam simples enfeites, bolas de Natal, papais e mamães noéis; sejam comestíveis, como cerejas ou chocolate, doce de leite; ou obras mais elaboradas, contando uma história familiar, por exemplo. Personagens em papel ou açúcar, lugares, representação de cenas... essa brincadeira promete!
Pandoro decorado com neve, árvores e predinhos
Como acontece com muitas receitas clássicas, o pandoro também tem sua própria história. É sabido que surgiu em Verona, no século XIII, durante o domínio da família real Della Scala no feudo local. Na época, o bolo era chamado de "nadalin" e diz-se que foi feito em forma de estrela para celebrar o primeiro Natal da nobre família na cidade. No século 19, o empresário Domenico Melegatti patenteou o pandoro, acrescentando ovos, manteiga e fermento à receita original, e dando início à produção industrial que permitiu que o doce natalino então ganhasse a Itália e o mundo.
Parece a história do panetone, não é? Só que não. A lenda do clássico pão das festas natalinas tem origem em Milão. No final do século 15, um certo padeiro-confeiteiro “Toni” errou a receita do pão para o Natal e misturou ingredientes que tinha disponíveis para fazer um novo doce. Nasceu o “pan di Toni”, inicialmente feito sem fermento e sem manteiga. A receita foi modificada aos poucos até chegar aos anos 1920, quando um célebre confeiteiro e empresário milanês inventou o panetone alto que hoje consumimos. Na verdade, conta-se que na Itália há uma certa rivalidade entre os doces na mesa de Natal: veroneses têm o pandoro, milaneses, o panetone. Famílias grandes (e sábias) oferecem os dois. Sugiro o mesmo, como nossa alma tropical afetiva costuma ditar aos nossos corações. Entre as minhas andanças para provar novos sabores, encontrei o Pandoro Maestra da La Pastina e a mamma Carlota aqui provou — e aprovou — a gostosura antes do Papai Noel! Faça sua decoração ou simplesmente leve o doce com sua beleza natural e aromas para a mesa da festa, um sucesso!
Talitha & Conceição Arroz, ovo, música e pudim: você é algo assim...
Sou das que prefere estilo e personalidade aos estrelismos de carteirinha. Gosto de novidade sim, sem frescura; de clássicos — amo! — com pitadas de quem assina, e, como o Cazuza, adoro um drinque inventado: ainda mais com pedrinhas de gelo. Pode me seguir que não tem erro nem perdido.
Talitha Barros é dessa praia, não falta bossa na garota e nem agá no nome: ele surge assim, inesperado, no fim da escrita, uma surpresa como ela só.
Sou das que prefere estilo e personalidade aos estrelismos de carteirinha.
Gosto de novidade sim, sem frescura; de clássicos — amo! — com pitadas de quem assina, e, como o Cazuza, adoro um drinque inventado: ainda mais com pedrinhas de gelo. Pode me seguir que não tem erro nem perdido.
Talitha Barros é dessa praia, não falta bossa na garota e nem agá no nome: ele surge assim, inesperado, no fim da escrita, uma surpresa como ela só.
Talitha nas pick-ups do Conceição
A experiência body & soul em seu Conceição Discos é divina, vai do olfato ao tato num crescendo, sabores e sons no ápice da jornada. O restaurante na Santa Cecilia, onde está há mais de 10 anos (desde que abriu), colore a calçada com sofás, mesinhas, plantas e poltronas; captura o olhar com pratos e copos de todos os gêneros e texturas e rouba o ar com a visão da cozinheira exuberante nas pick-ups rebolando arrozes. Tem arroz para gregos e baianos — comida quentinha e saborosa. Pudim, bolos fartos, lá o mundo tem razão. De terça a sábado, um domingo por mês e de repente em uns feriados, sempre almoço. Sempre cheio, toda gente cabe lá. Vão pela comida, pelas bebidas — cervejas, uma série de kombuchas, vinho em taça, sucos — e a vitrola tocando BB King sem parar. Soul music na veia (Tim Maia, Benjor, Isaac Hayes), o preferido Michael Jackson, os clássicos da MPB, tropicalhos e ramalhos, vinis para tocar e vender com a apurada curadoria da Ceição. Quando falei corpo e alma, era isso.
Arroz de carne assada e aquela pimentinha
Escrito na parede, para deixar bem claro
O arroz é a sua mais completa tradução, então dois arrozes a cada dia — de costelinha, de camarão, polvo, lula, de carne assada, com opções veganas para equilibrar: de beterraba, de abóbora, berinjela e de cogumelos. Ovo onde quiser, está escrito na parede: então peça ovo no arroz, escolha o pão de queijo recheado com pernil — e ovo!
É bom guardar fôlego para as sobremesas. Bolos, brownie, tortas, uma paçoca de amendoim feita por Talitha no maior capricho, um pudim de leite para não esquecer o que é a tal da felicidade.
Vou lhe deixar a medida do pudim: dá pra dois!
Um pé no East Village, outro no Marais... a sensação cosmopolita a que me remeteu a sua levada gastronômica é o tanto de brasilidade que ela tem, uma cozinha cultural brasileira. Ela diz que o arroz permite que passeie pela diversidade de sabores do Brasil com aquela alegria e sustância que existe no nosso PF. Essa representação ela levou a Paris há pouco, convidada para cozinhar no Brutos, do gaúcho Lucas Baur, no 11º arrondissement, onde estive em fevereiro durante as férias. Talitha arrasou com bolovo de arroz, pão de queijo com pernil, arroz de galinha com quiabo e a sua paçoca com sorvete de banana.
Louca pra voltar. Agora fica no meu ouvido o Tim Maia a semana inteira, fiquei esperando... Vou pedir pra tocar.
A cozinha genial de Luiz Filipe Souza
A cozinha genial de Luiz Filipe Souza
Criativa, original e duas estrelas Michelin – e ainda é pouco para descrever a gastronomia praticada pelo chef do superlativo Evvai, da fascinante Trattorita Evvai e do surpreendente Y, no Parque Nacional de Foz do Iguaçu.
Criativa, original e duas estrelas Michelin – e ainda é pouco para descrever a gastronomia praticada pelo chef do superlativo Evvai, da fascinante Trattorita Evvai e do surpreendente Y, no Parque Nacional de Foz do Iguaçu.
Luiz Filipe Souza
Perfeccionista, purista, minucioso, um talento criativo para quem a cada movimento é preciso encontrar novos adjetivos: Luiz Filipe Souza é o imparável cara da gastronomia brasileira desde que se colocou na cozinha de frente para o público. Começou cedo, estagiando longa e intensamente entre os mestres do Grupo Fasano, onde sua argamassa itálica se fundiu — as vantagens de isso acontecer tão jovem é que não é para todo o sempre, pode mudar. Com 28 anos estava à frente do Evvai, depois de viver e aprender ao lado do seu mentor Salvatore Loi, e ali estabeleceu a sua parte na história, criando uma nova linguagem para a culinária italiana no Brasil, a Cozinha Oriundi. Nessa original concepção, que se traduz pela inventividade e muito sabor, Luiz Filipe explora a troca cultural que nasceu e se desenvolveu desde a imigração de povos da Itália para o Brasil, fazendo conexão entre a tradição e a contemporaneidade. Nota-se o trabalho de pesquisa, distingue-se o cuidado, degusta-se a maestria de alcançar o inesperado — e é sempre gostoso, como ele afirma que tem que ser. Magnífico!
Mais adiante na rua, o Trattorita Evvai subverte as próprias ideias revolucionárias do chef e propõe calma, vamos sentar e comer comida italiana afetuosa e acolhedora por aqui. Eu juro que ouvi uma voz me dizer... e fui macia, sem contar com o inesperado: é comida da mamma, mas dá a divertida sensação de que ela nos enganou e voltou diferente depois de fazer escola de gastronomia. Para mim, o aconchego de uma massa, um ragu é o convite para o amor eterno, e a Trattorita tem minha devoção, assim como o seu irrefreável inventor. O ambiente é uma toscana elaborada em azuis, afrescos, mosaicos, luzes amenas e um forno colorido de onde saem as lendárias pizzas que Luiz Filipe se dedica a assar com a inocência de um romano — a chama criativa a brilhar nos olhos e nos cabelos do prodígio.
Trattorita: a proposta casual de Luiz Filipe
A visita ao Parque Nacional de Foz do Iguaçu está nos meus planos para breve, desde que Luiz Filipe foi para lá criar o Y, restaurante dentro do Hotel Belmond das Cataratas, convidado pelo grupo francês. O que ele revela nessa proposta inquietante e genial é o mundo das águas de Yguaçu (em tupi-guarani) na tríplice fronteira de uma cultura tão peculiar — única no Brasil. Ao som das águas é possível provar os drinques no bar, que convidam ao mergulho, na jornada que o chef desenhou para os curiosos expedicionários da comida e bebida do mundo. Tem rabo de galo, um Fizz de cupuaçu; para os comes, pasteis de palmito da Mata Atlântica, o Juçara; petiscos como a chipa, a broa , feitos com o milho típico da cultura fronteiriça; tapioca, açaí, peixes, pescados, frutos de rios e mares, moquecas... já me encho de vontades, ouvindo o chef descrever a riqueza que um Y disponibiliza ao alfabeto gastronômico.
Uma experiência original — e diferente em cada lugar — acontece a cada vez que Luiz Filipe move seus cards coloridos, que ele mesmo faz, para criar arte com história e incomparável sabor em seus pratos. É por isso que ele levou mais uma estrela Michelin (agora são duas!) para o Evvai em sua constelação de prêmios, entre eles a 22ª posição no 50 Melhores Restaurantes da America Latina. Para si, a experiência no Bocuse D’Or, a Copa do Mundo da Gastronomia, onde se classificou entre os finalistas, trouxe o olhar para a cozinha-mãe, de sua origem, que permitiu consolidar ainda mais sua identidade brasileira, que ele exibe e mistura de um jeito sem igual.
OS BELOS QUEIJOS AUTORAIS DA BELAFAZENDA
Os Belos queijos autorais da Belafazenda
A queijeira super especialista Carol Vilhena conta, em uma conversa saborosa, o que e quais são os queijos de sua autoria
Em toda sua original expressão, os queijos autorais oferecem um prazer simples de saborear uma iguaria que representa toda a complexidade do terroir e seu produtor. É mais ou menos assim que a veterinária e queijeira Carol Vilhena explica a elaboração dos queijos da Belafazenda, sua propriedade localizada em Bofete (SP). Essas maravilhas surgem do profundo conhecimento de Carol, adquirido com muito estudo e sua percepção sensível ao ambiente, onde habitam as vacas leiteiras, pasto e bactérias, mofos, clima e temperatura sob sua condução atenta e sábia.
Carol Vilhena e os queijos da Bela Fazenda, em Bofete (SP)
Na conversa com ela, não só os encantos dos produtos que fabrica capturam a atenção: Carol é uma especialista no assunto e sua prosa, rica em conhecimento. A Carolina nascida e crescida no interior, na propriedade familiar, desde menina ama a vida rural que escolheu. Se tornou veterinária com especialização em tecnologia de produtos de origem animal e tinha em si o impulso de empreender na área. Foi em uma viagem turística pela Itália que descobriu a paixão pela fabricação e maturação dos queijos. Aí encontrou o que buscava. Carol dedicou-se a estudar o assunto — fez cursos na França, na Suíça, nos Estados Unidos e também na Itália. No Brasil, mantém a troca e aprendizado com um professor dos maiores especialistas do mercado e nunca para de buscar mais e mais conhecimento. E de conquistar prêmios, também, desde que a Belafazenda passou a ser uma marca presente nas competições brasileiras e do mundo.
A queijeira conta com propriedade e empolgação do desafio que a microbiologia lhe oferece, da ciência que está por trás de todo o processo da maturação. Assim a gente aprende o que está além do nosso paladar encantado diante dos queijos maravilhosos da Belafazenda criados com sua maestria e sensibilidade.
Os queijos produzidos na Bela Fazenda
Para começar, o queijo autoral não segue as regras da produção de queijos tradicionais. Ela faz questão de destacar que o queijo autoral tem a cara do lugar onde ele é produzido — são as escolhas feitas pelo produtor que definem o produto. Desde a seleção do animal, de sua alimentação, para obter o leite; depois, a escolha das bactérias, a definição do método cru ou pasteurizado, a condução do envelhecimento. Um terroir de queijos abraça todos esses aspectos e mais a cultura local — a de quem produz o queijo.
A Belafazenda apresenta um portfólio com receitas autorais de base para os seus queijos: os azuis-cinzentos Bofete, Britânia e Duzu; os prensados Sinueiro e Soberano, umas especialidades, como o Goró (com cerveja Golden e cacau), e os queridinhos Bem Brasil e Benzinho — quanto amor!
Benzinho é o xodó — com massa lavada, macio e lindo, nessa diversidade de cinzas, azuis e brancos do mofo, tem por referência o camembert francês, e agrada o paladar brasileiro pela suavidade. É tão original que não poderia ter outro nome. Os queijos cremosos, suas cores, seus mofos saudáveis, o terroir da Belafazenda, tudo tratado com tecnologia, ciência e carinho — só posso pensar que quero ser um queijo nas mãos da Carol, na próxima vinda a essas bandas.
Tem receita da Carol! Não deixe de visitar a fazenda e fazer as degustações.
ANALU TORRES E O MUNDO DE VINHOS NO PLOU
ANALU TORRES E O MUNDO DE VINHOS NO PLOU
“Ninguém é mais otimista que alguém que tem adega e espera sobreviver às garrafas estocadas”. Ainda mais quando reúne mais de 500 rótulos! A afirmação atrevida está registrada no site que apresenta o jeito Plou de viver — e de beber! Analu Torres já vinha sacudindo a cidade com o seu jardim de vinhos naturais e há pouco abriu as portas do Plou, um village encantador com novas experiências e bebidas. A começar pelo convite a voar e provar um pouco de tudo!
Analu Torres: irrecusável convite para compartilhar sabores no Plou
No Plou, os vinhos e a joie de vivre de Analu Torres confirmam a sentença: ela vai viver para beber e servir as garrafas que estão lá, sob sua curadoria e dos sócios, todos winelovers e connaisseurs. Não é só chegar e aguardar as instruções; muito mais que um winebar, o trio aposta no irresistível chamado: vamos compartilhar? Esse é o DNA de Analu, que é tradutora e professora de francês e tornou o país a sua especialidade — ela estudou e viveu na França. Compartilhando a língua, os vinhos e seu conhecimento, a sommelière chama para conversar, ouve o interlocutor, provoca a experimentar, combina a taça com o prato — o Plou tem uma lista variável de comes bem encorpada que harmoniza com suas taças e sua história.
Bok Choy do Plou: com chorizo e botarga
Sardinha, coulis de pimentão vermelho e brioche
O rosbife e uma taça: perfeição!
Se estiver na lousa, prove a sardinha, que vem sobre um coulis de pimentão vermelho e brioche; a acelga bok choy, com creme do embutido de chorizo e botarga raladinha por cima, ou um dos pratos fixos imperdível: o rosbife de lagarto com saladinha. De capotar!
O vôo do Plou: 4 taças e 4 mundos
Não perca o convite para voar: um vôo sobre regiões e uvas em quatro taças a escolher. Analu é uma enfant terrible com ideias irresistíveis, mas sabe conduzir com segurança os passageiros em suas aventuras. De viagens, aulas, às combinações felizes na mesa e nas taças que ela oferece, o mundo dos vinhos ficou maior e mais perto quando se cruza o portal do Plou.
Artesãos do Sabor: Gelato, Chocolate e Azeite
Em Gramado, nas mãos de mestres, a gelateria artesanal, o chocolate de origem e o azeite extravirgem dão um show de qualidade e sabor.
Nathalie Biss, a gelatiere Nati, tem nome e talento de doceira
A Gelato da Nati, é assim que todos se referem aos gelados da Nathalie Biss quando vão à Nata Gelateria Autoral. A Nati tem uma ideia romântica de dar um freeze no que é gostoso na vida, congelando momentos e sabores. Ela fabrica bolos, pão de mel e um quindim de parar o tempo em Gramado — quaisquer que sejam os trocadilhos prováveis. Tudo isso ela transforma em gelato. Um brioche, uma cuca, o bolo de chocolate que é uma perdição (e tem a receita ao final), uvas, geleias de frutas, e lá vão também o quindim e o pão de mel virar gelados. Nathalie Biss é a autora dessas deliciosas loucuras produzidas em sua gelateria em Gramado. Nati é Nathalie, atriz e advogada que encontrou na doçaria sua expressão mais doce — avisei dos trocadilhos, certo? Nata é o creme do leite que dá vida às bruxarias que ela faz na lojinha verde inaugurada há pouco na cidade. Lá dentro, brilham os olhos de quem chega e o sorriso dessa mulher enquanto explica os sabores do dia. Eu provei um doce de abóbora achando que doce de abóbora não poderia ficar melhor... e ainda me peguei imaginando que comer o quindim mais delicioso que já experimentei seria o suficiente — e ele surpreende ainda mais na forma de gelato.
A Nata foi inaugurada este ano em Gramado, resultado da caminhada de Nathalie pelas artes até se encontrar na gastronomia, com foco na confeitaria. Na gelateria, as grandes parceiras da Nati são a Princesa, máquina vintage dos anos 70 que bate o gelato na cremosidade perfeita, e uma outra, de waffle, para fazer a casquinha do sorvete, finíssimo e crocante, enrolado na hora — caprichos dessa gelatierecompetente e dedicada. O perfume doce da casquinha invade o centro da cidade e atrai como mel às abelhas. Sem corantes, emulsificantes, químicos artificiais, Nati faz o gelato com os ingredientes da estação; seu cardápio é enxuto e fascinante. Alguns sabores são permanentes, entre eles o pão de mel. Assim como o quindim, na gelateria há o pão de mel para comer na hora (ou levar) e o gelato de pão de mel — o doce é misturado à massa cremosa do gelato compondo perfeitamente com todos as especiarias e sutilezas de sabores. Um escândalo!
O chocolate que banha esse pãozinho de mel é também produzido em Gramado, com cacau 42% da Bahia, confeccionado pela mente criativa e mãos talentosas do chef Ricardo Campos, quem está encantando o público com a inventividade de seus produtos na MirOh! Chocolate Makers. A marca trabalha com cacau brasileiro e cacau de origem importado de outros países, no sistema bean to bar— basicamente, o chocolate é feito a partir da amêndoa integral do fruto até formar a barra, sem segmentação dos processos nem aditivos. Ricardo é confeiteiro e chocolatier com formação na Espanha, prêmios conquistados no mundo e na capital brasileira do chocolate artesanal, Gramado, onde tem duas lojas-cafeterias. Uma delas é onde está instalada a produção, no Lago Negro, que pode ser visitada pelo público e onde acontece uma das experiências promovidas pelo chef: harmonização de chocolates e vinhos. Foi ali que me entreguei, cheia de desejo, e de onde voltei, com o gosto e aprendizados na ponta da língua.
O espumante Dois Mundos, que tem chocolate na composição, e a harmonização.
Ricardo desenvolveu um espumante com chocolate: não se trata de harmonização, mas de um vinho produzido com um de seus chocolates de origem. Por isso se chama Dois Mundos, belos nome e rótulo para a união desse moscatel da serra gaúcha com chocolate em sua composição. Além das experiências, as maravilhas que o chef cria passam pela pâtisserie e viennoiserie clássicas às barras separadas pelas procedências do cacau — Índia, Filipinas, Colômbia, Brasil — a um creme de avelãs considerado dos melhores do mercado. Tudo pode ser degustado nas mesas, com café especial elaborado para a marca. No site da MirOh!, as compras são entregues para todo o Brasil, para quem, como eu, provou in loco e depois vê que é impossível carregar tudo na mala. Basta pedir e receber em mãos (é o que faço com o chocolate com café, espetacular!). A 14km do centro de Gramado, uma das experiências pioneiras com azeite de oliva extravirgem brasileiro foi introduzida por André Bertolucci na Serra Gaúcha, ao erguer o Parque Olivas de Gramado.
A propriedade com 150 hectares dedica um quinto da área ao pomar de oliveiras e muitas atrações para promover a cultura do azeite de oliva extravirgem. Uma verdadeira atração turística, o parque oferece, na programação, passeios pelos olivais, colheita, pôr-do-sol festivo, degustações e outras propostas com a temática do azeite. O ponto alto é a degustação sensorial harmonizada, com grande variedade, inclusive de azeites artesanais aromatizados com especiarias e frutas, desenvolvidos a partir de insumos locais com identidade regional. Vale passar na loja e conhecer tantas opções, entre azeites com o blend da marca, de terceiros e souvenirs com a temática.
Variedade de produtos com azeite de oliva no Olivas de Gramado
LosDos Cantina, um mexicano irreverente e descomplicado
No novo endereço, os chefs Caio Alciati e João Gertel fazem uma cozinha mexicana como você nunca viu, combinando ingredientes brasileiros, asiáticos e de outras partes do mundo










Se tem uma coisa que eu defendo, gosto e pratico é a liberdade para misturar e combinar influências dentro da cozinha. Ao unirmos sabores e técnicas de diferentes origens criamos receitas únicas, capazes de surpreender o paladar. Justamente por isso, gostei tanto da proposta e das sugestões do LosDos Cantina, que abriu recentemente na Vila Buarque, bairro da região central de São Paulo que reforça cada vez mais sua vocação gastronômica. No México, as cantinas são os restaurantes que servem comida do dia a dia, o nosso boteco. Mas espere encontrar tudo, menos o tradicional, por lá.
Quem comanda a cozinha são os chefs Caio Alciati e João Gertel, mesmos criadores da LosDos Taqueria, que funcionou em Pinheiros - e que eu também adorava. A Cantina é fruto da evolução da cozinha da dupla. Com ambiente despojado, a casa apresenta, em uma versão mais estruturada e confortável, a cozinha mexicana com os toques autorais que Caio e João já praticavam, ao incorporar técnicas e ingredientes brasileiros, asiáticos e sul-americanos ─ como goiabada, missô ou pimentas bolivianas e chinesas ─ às receitas tradicionais do México. Uma mistura das boas!
O novo menu é inteiramente composto de receitas pensadas para compartilhar e serve apenas um Taco da Vez, sugestão que resgata sucessos da LosDos Taqueria ou apresenta criações inéditas, de forma rotativa. O ambiente, com cozinha à vista dos clientes, mescla referências mexicanas à simplicidade brasileira, tendo como principal inspiração os botecos e restaurantes de PF do Centro: os azulejos em tons de bege e vinho, aplicados de forma contemporânea, e o piso xadrez criam uma atmosfera acolhedora.
Dando sequência à tradição da Taqueria, LosDos Cantina abre seu menu com uma seção batizada de Taqueros, já que taco é tudo para o mexicano: café, almoço, lanche, toda refeição e nenhuma refeição. Além de Tacos da Vez, sugestão rotativa que matar as saudades dos frequentadores da portinha de Pinheiros, a casa oferece como sugestões fixas receitas como a Quesadilha de queso e ervas, em versão que se assemelha ao pastel de angu e traz a tortilha frita recheada com queijo caccio cavalo, conserva de pimenta biquinho e yuzu e salada de ervas. Para acompanhar, a carta de coquetéis, desenvolvida por Günter Sarfert, traz sugestões autorais leves e refrescantes, que casam bem com a potência das receitas servidas - um exemplo é o Coentro Smash, uma variação mexicana do clássico Basil Smash, feito com gin YVY Mar, limão, xarope de agave e coentro.
Também vão bem com os drinques os Antojitos, “pequenos beliscos” para compartilhar. São pedidas autorais, como a Tostada de patê de fígado com chipotle, tortilha de milho frita coberta com patê de fígado de galinha, chipotle, picles de abacaxi, dill e epazote, erva muito usada na cozinha mexicana e chamada no Brasil de mastruz. Há também espaço para receitas tradicionais como o Vuelva la vida, coquetel picante de frutos do mar consumido pelos mexicanos para curar ressacas, é preparado com base de tomate temperado, avocado, cebola roxa, pepino e coentro e acompanha tostadas. Ou pedir a Asa de frango com chamoy, asinhas de franfo frito besuntado no molho mexicano doce e picante (preparado com umeboshi), finalizado com cubinhos de pepino. Para comer com as mãos sem receio de lambuzar os dedos.
Para dar sequência à refeição, a lista de Platos Fuertes traz receitas com maior tamanho e mais intensidade. São pedidas como o Tamal de rabada, massa de milho cozida no vapor na folha de bananeira com rabada ao molho, agrião e guacachile, e a Tetela e conchas, taco triangular recheado de carnitas (barriga de porco confitada) e enrolado em hoja santa, servido com conchas em molho de tucupi e pimenta de cheiro e finalizado com catalônia.
O cardápio lista ainda três Moles, tipo de molho icônico da cozinha mexicana que mistura muitos ingredientes, em um resultado de sabor complexo: doce, salgado, ácido, amargo, frutado, picante, achocolatado, untuoso. Um deles é o Mole branco de lula e cítricos, tradicionalmente servido em festas em Oaxaca, é mais suave e frutado: leva castanhas como amendoim e amêndoas e é servido com lula grelhada, salada de cítricos, salsa macha de macadâmia e tortilhas à parte.
A mesma pegada criativa marca as sobremesas, em receitas como Arroz doce de milho, feito no suco de milho e servido com farofa de milho com especiarias, creme batido e sorvete de cambuci, ou a Mousse de Chocolate, com azeite de folha de bananeira e flor de sal. Tudo potente, surpreendente e muito saboroso, por isso vale seguir acompanhando o trabalho de Caio e João. Visitem a Cantina e fiquem de olho: eles pretendem reabrir a LosDos Taqueria em breve, com uma unidade no Rio de Janeiro, dentro do Mercado Central, novo espaço que reunirá cultura, gastronomia e entretenimento no Centro da capital fluminense. Em São Paulo, o plano é retomar a operação, em novo endereço, em 2025.
Um endereço para voltar muitas vezes!
Serviço:
LosDos Cantina
Rua Dr. Vila Nova, 150 - Vila Buarque
Horário: Terça a sábado, das 19h às 23h.
Domingo, das 13h às 17h
O italiano que estreia na Serra Gaúcha
Giostra Cucina, novo restaurante do Hotel Casa da Montanha, em Gramado, faz um giro pela Itália explorando sabores de Norte a Sul do país.
O carrossel na entrada do Casa da Montanha, em Gramado.
A primeira coisa que vejo, ao subir a rampa do Hotel Casa da Montanha, em Gramado, é aquele carrossel iluminado. Os cavalinhos coloridos rodando ao sabor do vento e da melodia; ao fundo, a paisagem e o casarão do hotel se fundem no claro-escuro que pisca a cada volta do brinquedo. A cena é mágica, enche de nostalgia e fascínio quem a vê e comigo não foi diferente.
O hotel-ícone da cidade que está entre os destinos turísticos mais visitados do Brasil é um cartão-postal de Gramado, muito pela qualidade de seus serviços, um tanto pela beleza de sua cenografia (e isso inclui o carrossel) e a privilegiada localização — o Casa da Montanha fica na avenida central lindamente emoldurado pelo bosque na montanha que o guarda. O carrossel do Casa da Montanha se tornou um símbolo e um point instagramável, a representação de tantas emoções que se vive ao visitar a Serra Gaúcha.
Essa história começa por aí, roda, roda e chega ao novo restaurante que o Hotel Casa da Montanha inaugura no inverno 2024 em suas instalações, o Giostra Cucina, homenageando o carrossel e o giro que faz ao percorrer a gastronomia italiana de Norte a Sul do país em seus pratos. O menu explora sabores e ingredientes de regiões como Piemonte, Venezia, Toscana, Capri, Apúlia, Sicília entre tantas. O nome Giostra é carrossel, em italiano, e se pronuncia gióstra, marcando o “ó” agudo — a brincadeira de pronunciar o nome de maneira correta está no Instagram do restaurante. A imagem do carrossel lá do início, que se fixou na minha mente, foi a inspiração para criar todo o conceito e proposta desta nova casa no Rio Grande do Sul, para a qual tenho grande orgulho de ter sido convidada a assinar, com minha sócia Cris Skrings, um projeto encantador. De um ambiente convidativo e elegante, executado com muita identidade por Marlene Peccin, decoradora e sócia-proprietária do empreendimento Casa da Montanha, à composição do cardápio, execução dos pratos e formatação do serviço de salão, tudo nasceu daquela ideia girando nas nossas cabeças, a visão mágica do carrossel.
Ambiente elegante e acolhedor do Giostra Cucina
Para dar vida à proposta, fizemos um profundo estudo da cultura do país, com vistas a surpreender o imenso público que habita e visita a região. A Serra Gaúcha, Gramado e as cidades ao redor conhecem a deliciosa culinária dos imigrantes que se tornou célebre em todo o Brasil — o galeto, a sopa de cappelletti, as polentas mole ou brustolada, o crostoli (as famosas cuecas viradas). Pensamos o Giostra de como uma alegre e farta mesa de Itália com os sabores, os ingredientes e apresentação que a tornam soberana na gastronomia mundial, mas com a autenticidade de nossas interpretações. Assim, serviço e cozinha oferecem experiências cativantes, como a finalização na mesa: seja com o azeite próprio, criado para a casa, que finaliza algumas massas, como o caso do cacio e pepe, seja o chocolate de origem, com café e um toque de Baileys, que derrete sobre o tiramisu, ou ainda a glaze que finaliza a bisteca fiorentina. A equipe está afinada!
Il vero tiramisu, finalizado à mesa, com chocolate e café de origem
A clássica bisteca fiorentina recebe uma glaze na finalização
Do mar, a culinária mediterrânea é homenageada com o Gamberi e orzo, risoni (massa em formato de grãos de arroz) com camarões.
Gamberi e orzo, os camarões gigantes sobre o risoni
Prato criado para a casa, o Giostrolone é um pappardelle que dá voltas sobre um recheio de moranga e queijo azul, com toque adocicado — uma interpretação original do tortei, queridinho da cozinha de imigrantes no Rio Grande do Sul — e leva manteiga e sálvia.
O belo e original Giostrolone, prato da casa com pappardelle e queijo azul
Tudo foi pensado para que se tenha uma combinação de produtos locais e originais com ingredientes autênticos da tradição culinária italiana. A casa possui um pastifício próprio, onde são produzidas as massas — longas, curtas e as recheadas. Também os pães são feitos no local, servindo e acompanhando as porções generosas para compartilhar à mesa, invocando o clima de grande familia italiana (sendo eu a mamma, adoro!). Trazer a Itália para o Giostra não faria sentido sem os vinhos que o compõem: o premiado sommelier Gustavo Buske faz uma seleção e harmonização que tornam essa história ainda mais encantadora, no carrossel de sabores.
Em SP: um cais, um jardim, o fogo!
Andei por aí a ver as novas das mesas saborosas de São Paulo. Visitei restaurantes e suas calçadas, os pés no cais, no jardim, o calor ao fogo; provei cumbucas, taças, hashis, espetos, encontrei sabor e respeito à comida e ao ambiente aonde ela floresce. Comi bem e me senti melhor ainda.
Adriano de Laurentiis e Guilherme Giraldi (foto: Bruno Geraldi)
No Cais – o Banquete no Cais é digno do nome: um festim que desfila leveza e equilíbrio entre o mar e os vinhos que Adriano de Laurentiis e Guilherme Giraldi fundaram na Vila Madalena.
Na cozinha com a dupla desde o início da aventura ao mar, a chef Catarina Ferraz instiga os sentidos em combinações com frescor, como um vermelhudo crudo de carapau, carpaccio de tomate e speck; um atum voluptuoso; e ainda convoca a calmaria no calor de uma salada quente de endívias gratinadas ao queijo de ovelha e acerolas e nos conduz a deslizar no veludo macio de um creme de parmesão com tomates.
Carapau, tomate e speck: carpaccio vermelhudo! (foto: Bruno Geraldi)
Esse é o Banquete, onde o conviva se deixa levar pela onda que a cozinha cria — menu-degustação com porções em cinco tempos para compartilhar à mesa. Nessa opção, há exclusividades em pescados, autênticas iguarias, resultado do seríssimo trabalho que fazem em parceria com a Mar.Is.Co, de João Manzella, o engenheiro de pesca que redesenhou o mercado de peixes com responsabilidade ambiental e rastreabilidade, a partir de sua fazenda marinha em Ilha Bela (SP). Quando a gente aporta no Cais, descobre tantas coisas... inclusive no que se refere aos vinhos, pois que a natureza marinha dos pratos requer harmonizações naturais, mas não menos complexas, e a surpresa também surge nos matches perfeitos. Essa turma faz uma pausa no mareio da Vila, trazendo calma e acolhimento — e sem burburinho estão no 50 Best Discovery, que cita as descobertas do ano 2024. Eles dizem que recebem o que o mar entrega a eles: eu recomendo entregar-se ao mar fascinante que eles entregam a nós, tchibum!
Caio Yokota e Victor Valadão que comandam a cozinha
No Mapu – em mandarim, Mapu quer dizer jardim. Esse simpático lugar de baos e comidinhas, que é como eles se definem, fica em uma casa na Vila Mariana que não tem jardim, no entanto o clima friendly e amoroso retrata o aconchego solar de um espaço florido. Mapu é também o apelido de Jasmine, a mãe dessa familia taiwanesa que trouxe sorrisos e comidas de rua típicas do país para nosso deleite e inaugurou a casa. Hoje, são Caio Yokota e Victor Valadão que comandam a cozinha — arrastando incontáveis seguidores, reproduzindo na calçada o vuco-vuco alegre das ruas de Taipé. Com cardápio enxuto, clima descontraído, os pedidos chegam revelando um capricho encantador nos pratos. Baos gorduchos sem excessos, com recheios tradicionais — pancetta, pulled pork, frango — e vegans variados. Fofinhos e carismáticos, parecem o personagem do curta Pixar que cativa só de olhar... Pode morder, ele não vai gritar.
Os pratos com arroz são ricos e saborosos: eles variam no cardápio, que é assim mesmo, mutante. Os itens fixos incluem uma pururuca, panqueca com cebolinha e pimenta e “a” berinjela — foi ela quem me levou até a casinha na Vila, depois de experimentá-la entre as delícias do Taste SP, no Parque Villa Lobos, em junho. A berinjela do Mapu por certo já é uma daquelas comidinhas queridas de São Paulo, como acontece de receberem o título as escolhas do público na cidade. Crocante, saborosíssima, ela é empanada em farinhas e ganha um molho incrível de missô com cebolinha para finalizar. A berinjela sozinha já é um must have na minha cozinha, tanto pelas suas qualidades gastronômicas quanto, no uso cotidiano, pelos benefícios à saúde e bem-estar. Possui uma boa quantidade de fibras, baixo teor calórico e alta concentração de água — as fibras promovem a saciedade, ajudam no funcionamento intestinal e a gostosa colabora, assim, para a perda de peso.
A berinjela sensacional do Mapu
É deixar rolar: pedir a berinjela, escolher os baozinhos queridos, chegar até a sobremesa, entre as que estão no menu e a dica da equipe, leve e atenta. Na chegada, em pé ou sentado, vale experimentar os drinques, modernos e originais, que fazem boa mistura entre clássicas receitas e ingredientes brasileiros. No mais, uma surpresinha: a receita no final, cedida pelos chefs.
No Cortês – as carnes são o centro da casa, seu tema e seu propósito. Fica ainda melhor quando se conhece o contexto: criadores dos prestigiados Angus, desenvolvem as peças a partir do animal — desde sua alimentação até seu desenvolvimento. Há também as temporadas de carnes especiais, convidadas para estrelar assamentos, como o wagyu, o ojo de bife de Hereford, os suínos. Os cortes vão para a parrilla, aquela brasa bem próxima da carne que faz com que doure por fora e se mantenha suculenta no interior. Inclusive um audaz Burguer de 200g de carne no pão de brioche, maravilhoso! O Cortês Asador é uma casa do grupo Ráscal dedicada às carnes e comidas do fogo, feitas na brasa parrilleira, o sistema argentino de assamento. Como a tradição do grupo, os vinhos são uma atração que não é à parte, mas sim faz bonito acompanhando quaisquer das propostas da carta, rica, variada e deliciosa. A chef Daniela França Pintoassumiu o desafio de ir ao fogo no projeto do Cortës, depois de construir sólida carreira em seus próprios restaurantes, e não deixou barato: tornou-se membro do grupo de butchers pelo mundo concorrendo em campeonatos e conquistando prêmios. Tudo compõe a história do Cortês e o coloca em destaque de público e crítica, tanto que abriu a quarta casa no Shopping Eldorado este ano.
Não vale terminar sem chegar nas sobremesas, que honram a tradição argentina de doces e a nossa, brasileira, com galhardia e muuito sabor.
SEYCHELLES: UM MENU NO PARAÍSO
A distância que me separa de paraísos no mundo eu percorro cozinhando. Com as Seychelles, onde ainda não pisei minhas Havaianas, mas que não saem do meu imaginário, fiz assim: desenvolvi um menu especial com a culinária das paradisíacas ilhas com pratos que estarão no Carlota até 30 de julho. É uma viagem!
A distância que me separa de paraísos no mundo eu percorro cozinhando. Com as Seychelles, onde ainda não pisei minhas Havaianas, mas que não saem do meu imaginário, fiz assim: desenvolvi um menu especial com a culinária das paradisíacas ilhas com pratos que estarão no Carlota até 30 de julho. É uma viagem!
O Um menu para viajar nos sabores das Ilhas Seychelles
Empolgada com as descobertas, o menu foi expandido e se transformou em um pequeno livro de receitas intitulado Sabores das Ilhas Seychelles, onde assino 15 receitas de bebidas, pratos e sobremesas desse arquipélago no Oceano Índico africano. É o primeiro de uma nova coleção batizada Mesa Mundi, uma criação da minha Casa de Experiências em parceria com Floriana Breyer. O menu especial Seychelles foi criado para expressar o amor pelas viagens e pela descoberta de novos sabores. Esse país insular composto por 115 ilhas é um destino cobiçado no mundo, com clima perfeito, águas azuis transparentes e uma exuberante natureza. Seychelles é o menor país da África com a menor população — antes de ser encontrado pelos europeus, o arquipélago era desabitado. Aos poucos, as ilhas foram sendo ocupadas por franceses, ingleses, africanos, indianos, chineses, povos que se aventuraram ao mar e foram enfeitiçados pela beleza do arquipélago, formando uma cultura diversa e vivaz. Com essa profusão de influências, Seychelles oferece pratos variados, coloridos e perfumados, ricos em pescados, frutas, ervas e especiarias.
Rum Takamaka
Então, vamos viajar provando seus sabores?
Para dar boas-vindas à experiência, um shot preparado com Takamaka, o rum das Seychelles, com tamarindo abre o menu especial. Dois produtos das ilhas: o suco do tamarindo e o rum obtido do caldo da cana local, que tem características peculiares — o Takamaka é produzido com açúcar orgânico, fermentado e destilado e depois amadurecido em barricas de carvalho inglês e francês. É exclusivo de Seychelles.
Umas porções de aperitivos podem acompanhar o drinque ou serem servidas de entrada, como sugestão, os Crocantes de Mandioca com Rougaille. Esse é bem creole*: um molho típico preparado com tomates, temperado com ervas aromáticas, alho, gengibre e pimentões, que costuma acompanhar diferentes pratos, carnes ou peixes e frutos do mar. Na minha receita, agrada gregos, troianos e vegetarianos. As mandiocas cortadas são cozidas e depois assadas, passam pelo mix de temperos (curry, alecrim, tomilho) e ficam crocantes. Depois, a diversão é chuchar os cubos no rougaille suculento.
Imagine o paraíso que são as Seychelles e toda a riqueza que possuem em pescados e frutos do mar. O polvo está presente na gastronomia em criativas formas. Criei aqui o Arroz de Polvo com Tomates Tostados. Os tomates assam no forno; o polvo é cozido na pressão e o arroz preparado da forma tradicional (pode usar um arroz bomba). Depois junta tudo no prato com alguns adereços e voilá!
Os produtos locais fornecem grande parte do apoio econômico aos habitantes das ilhas. Peixe congelado e enlatado, copra (polpa do coco seco, da qual se extrai o óleo de coco), canela e baunilha são itens de exportação. O carii coco, um curry suave – de carne ou de peixe – é preparado com uma cremosa base de creme de coco, muito utilizado localmente. Ainda existe um curioso coco de mer, de formato singular, que se tornou um dos símbolos do arquipélago: pode ser encontrado nos mais diferentes souvenirs e até no carimbo da imigração. O coco de mer é a maior semente do mundo, podendo chegar a mais de 30cm de diâmetro e 25kg. Não é para comer, ele é uma semente preservada que só pode ser adquirida quando cai no solo e é certificada com o selo do governo.
É toda a cultura creole que faz a magia acontecer. Os costumes alimentares se mesclam às manifestações artísticas, às tradições, formando o cenário vibrante e original de um povo com sua natureza: um estilo de vida Seychelles. É assim que eu imagino, enquanto saboreio seus frutos e planejo uma visita o mais breve possível.
PASTA É MASSA!
O caju é rei na diversidade de propostas que oferece como alimento. Seja a castanha, a estrela e seu fruto verdadeiro, ou a polpa, o pseudofruto, há muito o que saborear nesse pródigo presente da natureza: o cajueiro.
A experiência de preparar a pasta pode ser tão deliciosa quanto
saboreá-la, fresca sob nossos olhos.
Escolher formatos, mesclar ingredientes, rechear com o que combina com a vontade e o momento, tramar um molho — puro deleite. Ainda existem as histórias que cada massa nos conta, seja em seus originais formatos — orecchiette (orelha), farfalle (borboleta), conchiglie (concha) — ou nos molhos que as acompanham: cacio e pepe (queijo e pimenta, em vários dialetos), puttanesca...
Sou pasta lover e estou mais apaixonada ultimamente por culpa da Fernanda Possi, a pastaia, encantadora das massas, profissional que ensina a fazer com a pasta um ensaio para a vida e as incontáveis refeições que ela nos permite desfrutar.
Ravioli verde com recheio de ricota, mascarpone, parmesão e mortadela. Servido com manteiga de sálvia, amendoas e zests de cítricos.
Fernanda é Masterchef vencedora de episódio em 2020, na sétima temporada do programa. Advogada de formação e carreira, na gastronomia ela se reinventou combinando o gosto pela comida com a determinação que dedica a aprender. Formou-se na Cordon Bleu brasileira e agora ela ensina. Na Duoliva, sua escola de cozinha no Tatuapé, em São Paulo, oferece cursos especializados em massas, do principiante ao profissional. Pasta Experience é o curso de entrada: duas receitas — uma massa longa e uma recheada, molhos e recheios — e uma prática que culmina no prato, tudo regado a vinhos! Os outros dois cursos são de média e longa duração, respectivamente “Dominando a arte das massas artesanais” e “Formação de pastaios”.
A pastaia Fernanda Possi
Trouxemos Pasta Experience para o Estúdio CP, em Higienópolis, às quintas-feiras. Com a mão na massa, essa aula é ideal para quem curte massa fresca e quer aprender fazendo. Enquanto prepara, o aluno e a aluna conhecem pessoas novas, se divertem, comem e bebem muito bem no estúdio desta chef que vos fala. Na próxima edição, dia 16 de maio, vamos fazer duas massas com Fernanda: um pici com ragu de cogumelos e um ravioli doppio di zucca e boursin al limone. O pici é uma das massas mais tradicionais da Toscana, em formato parecido ao spaghetti — o ragu, o molho mais popular da Itália. A massa recheada é o ravioli com dois recheios: a abobrinha e o queijo boursin al limone.
Tudo para saborear com vino.
Pasta Experience faz parte da curadoria de experiências que compõem a programação do Estúdio em 2024. No CP pesquisamos tendências, conectamos com territórios, comunidades, ingredientes, sabores e saberes do mundo e da sócio biodiversidade brasileira. Tudo é transformado em receitas, conteúdos audiovisuais, produtos, aulas, eventos e experiências customizadas para não esquecer. No estúdio piloto a curadoria com a artista plástica e pesquisadora Floriana Breyer, uma parceria de mãe e filha reunidas sobre pesquisas e alquimias para cocriar projetos e experiências únicas.
Quando em Londres, atenda ao chamado e se deixe levar
O caju é rei na diversidade de propostas que oferece como alimento. Seja a castanha, a estrela e seu fruto verdadeiro, ou a polpa, o pseudofruto, há muito o que saborear nesse pródigo presente da natureza: o cajueiro.
O reboliço de carregar malas, compras, roupas de frio, bater perna com a jovem Julia, minha companheira nessa expedição-férias, em nada fez perder o charme da intensa temporada Paris-Londres que vivemos no carnaval que passou. Vou contar tudo de cada lugar, cortando em fatias que fica mais saboroso — um gostinho de cada vez.
Londres é o lugar que narra a história da Humanidade e dá dicas de como vai ser o futuro, que é agora: tem de tudo! Cool e inquieta, anárquica e elegante, erudita e pop sem nunca perder a fleugma, a cidade convida a se deixar levar em suas exposições, livrarias, vitrines, nas páginas dos jornais diários, na cama fofa do hotel, nas performances na rua e nos castelos, na comida. A gastronomia faz tempo se tornou uma atração que também representa esse magnético London beat, ritmo que nos conduz, com urgência, mas sem pressa, por descobertas sem fim.
Nessa batida, chegamos à montanha: Mountain é o restaurante inaugurado em 2023 por Tomos Parry, galês que está sacudindo a gastronomia londrina, chef-executivo e coproprietário dos Brat Restaurant e Brat Climpson´s Arch. Acontece que lá no Mountain a cozinha é comandada pelo queridíssimo e igualmente competente chef Josean Balotin, nascido nas altitudes montanhosas da Serra Gaúcha, que ele deixou ainda guri para tentar a vida em Londres — e conseguiu. Entenda-se (de uma vez) que vida que chef sonha é com a barriga no fogão, criando aventuras entre ingredientes e aqueles que têm prazer em comer. Foi isso que Balotin conquistou — todo o resto ele já tinha: determinação, resiliência, confiança e um trato gentil que o distingue. Tive a sorte de ser recebida por ele no restaurante — muito antes de conhecê-lo ao vivo, em contatos feitos pelo Instagram, já tínhamos trocados papos de comida e de lugares. Quando cheguei lá, meses depois, foi só correr pro abraço.
O Mountain faz um show com a cozinha inspirada nas ilhas baleares, paraísos naturais e turísticos que têm autonomia sob o reinado da Espanha — são elas Maiorca, Minorca, Ibiza e Formentera. Imagine o fogo à lenha como astro principal onde dançam peixes, ostras, lulas, caranguejo, costeletas, beef, sobrassada (um embutido típico das ilhas), um mundo de vegetais e sobremesas. Para a ensaimada que comi — um pão doce feito com banha do porco catalão saïm, que dá origem ao nome — com sorvete de avelãs, mando um beijo com saudades, que espetáculo!
Há simples pratos no menu, que não determina entradas e principais, peça o que der vontade! Toast com salada de ovos e botarga; vagens fumê, um picles de sementes de mostarda, iogurte e amêndoas; vieiras e peixe crus, lagosta inteira, vegetais na brasa. A caldereta de lagosta é um clássico das ilhas Baleares e a minha sorte foi esse prato estar no menu naquele período — um arraso!
A caldereta de lagosta é um clássico – e um espetáculo!
Plancha, brasa e forno compõem um balé impressionante de sabores e texturas. Tudo conversa: a equipe, os cozinheiros que vêm à mesa, a inspiração do fogo e do mar, as origens de montanha do galês Parry, do gaúcho Balotin, os dialetos e culturas diversas. Existe uma conversa paralela, nas mídias, que diz que o Mountain é mais silencioso, visto que Parry gosta de trilhas sonoras eloquentes para suas casas...
Localizado na Beak Street, no Soho londrino, o restaurante se mostra nos dois andares com decoração industrial-rústica, em madeira, cool & comfort — tudo pensado em detalhes pelos chefs e o time. Pode-se ficar à vontade na mesa do chef, no bar de vinhos, no de cervejas, espiando o forno dos pães e das sobremesas pela cozinha aberta e convidativa.
Balotin por certo já conquistou grande parte do que sonhou para sua vida na cozinha, e antes de completar um ano o Mountain já recebeu uma estrela Michelin, agora em fevereiro. Quando estive lá, a notícia recém saíra. O chef atencioso e gentil com quem conversei por algum tempo nas redes sociais trocando ideias e dicas foi o mesmo que me recebeu na casa — zero afetação. Acompanhada da amiga jornalista local, Fernanda Zaffari, e a melhor parceria de aventuras, minha Julia, pudemos experimentar o banquete escolhido por ele: um encanto do início ao fim. E a surpresa: Josean Balotin combinou de vir cozinhar no aniversário de 30 anos do Carlota, em São Paulo — não vejo a hora!
@mountain.restaurant
@tomosparry
@joseanbalotin
@f.zaffari
A festa do caju
O caju é rei na diversidade de propostas que oferece como alimento. Seja a castanha, a estrela e seu fruto verdadeiro, ou a polpa, o pseudofruto, há muito o que saborear nesse pródigo presente da natureza: o cajueiro.
O caju é rei na diversidade de propostas que oferece como alimento. Seja a castanha, a estrela e seu fruto verdadeiro, ou a polpa, o pseudofruto, há muito o que saborear nesse pródigo presente da natureza: o cajueiro.
Nativo do Brasil, os portugueses o levaram para a África e a Ásia, onde se adaptou e passou a ser cultivado — precisa de umidade e calor dos trópicos. Os portugueses também carregaram o caju para a Europa e tanto o pseudofruto como a castanha se tornaram iguarias concorridas nas mesas europeias.
Fruto dentre todos o mais belo, o caju possui as cores do pôr-do-sol em si: do laranja impetuoso aos vermelhos pujantes e amarelos vivazes, é o astro de seu próprio espetáculo. O encantador rei-sol com a coroa invertida pode confundir aqueles que, deslumbrados com sua beleza, publicam sua imagem com a castanha para cima, acreditando ser essa a forma natural do fruto majestoso. Tanto faz, o caju segue impassível em sua realeza multicor ilustrando a natureza e a arte. J. Borges, artista popular, mestre e Patrimônio Vivo de Pernambuco, é o gravador autodidata da vida nordestina e brasileira: reconhecido internacionalmente, reproduz em suas xilogravuras o caju de forma recorrente e sempre bela, destacando seus matizes.
Os cajus do artista J. Borges
No Brasil-colônia dos anos 1640, o artista holandês Albert Eckhout, vindo para a capitania de Pernambuco com Maurício de Nassau, fixou seu olhar nas pessoas, animais e plantas. Ele foi um dos primeiros artistas europeus a retratar cenas do Novo Mundo — o caju e o cajueiro já estavam lá. Em uma das pinturas sobre tela, A mameluca, a mulher carrega um cesto com flores debaixo de um cajueiro — não fosse a diferença de algumas centenas de anos, ia acreditar que Eckhout me viu passeando por lá à cata de castanhas...
“A Mameluca”, de Albert Eckhout
Carnoso e rosado, com caju e as castanhas se faz arte e receitas: o suco, os doces, compotas, cachaça, vinagre, rapadura, manteiga, a caipirinha de caju, clássica no Nordeste, até vinho. Ah! E o Caju Amigo, icônico drinque paulistano nascido no saudoso Pandoro. O caju tem poucas calorias, é rico em aminoácidos, vitaminas e minerais e é um excelente substituto da carne, com textura semelhante — a “carne de caju” é apreciada por veganos, gregos e baianos. Ao final desta coluna tem minha receita de Torta de castanha com compota dourada de caju, que está publicada no livro As Doceiras, autoria em dupla com a amiga e chef Carolina Brandão.
É do suco do caju, clarificado e caramelizado, que se obtém a famosa cajuína. A cajuína cristalina em Teresina, descrita na canção de Caetano, foi a bebida servida pelo pai de seu amigo e parceiro compositor o piauiense Torquato Neto, morto aos 27 anos. Todos os versos da melodia fazem rima com a palavra título da canção e logo na primeira estrofe a pergunta eleva fruto e pensamento à questão inescapável: “Existirmos, a que será que se destina?” — o caju filosófico.
A cajuína é uma bebida diferente — não deixe de provar: não alcoólica, faz parte da tradição alimentar indígena e se tornou Patrimônio Cultural do Estado do Piauí, que está entre os estados nordestinos produtores de caju. O Rio Grande do Norte é outro, e onde se encontra o maior cajueiro do mundo, o Cajueiro de Pirangi, com meio quilômetro de diâmetro estendido sobre uma área de 9 mil metros quadrados. Sombra e frutos e uma lenda bonita habitam o cajueiro em Natal — dizem que foi plantado há 150 anos por um pescador que morreu aos 93 descansando sob sua copa.
Se o caju é o astro-rei, a castanha é a rainha, estrela de todo o potencial do conjunto! O Ceará é o estado que concentra a maior produção de caju no Brasil. Em Beberibe, município litorâneo a 80 quilômetros de Fortaleza, Joana Vieira chefia uma fazenda produtora com 45 mil pés nativos que produzem a castanha orgânica de sua marca Nutmel. Joana é pernambucana e adora trabalhar; desde menina atua na área comercial dos negócios de alimentos da família e agora no seu próprio, com seu xodó: a castanha de caju. A propriedade é orgânica há mais de 30 anos, com longevos cajueiros nativos. Uma curiosidade: o caju é 85% água e as áreas de produção de cajueiros nativos são de sequeiro, não há irrigação. O caju cai do pé e se torna matéria orgânica na fazenda, umedecendo e protegendo o solo de forma natural e permitindo coletar a castanha com facilidade. As castanhas retiradas então são processadas para o consumo. Somente a poda é feita pela ação humana. O terroir do caju no Ceará fornece castanhas com sabor amanteigado e componentes nutritivos bem preservados.
Joana Vieira na fazenda de produtos da Nutmel.
É uma Joana entusiasmada quem narra todo o ciclo do ecossistema na fazenda onde o cultivo orgânico produz castanhas e, ainda, mel de abelhas — tudo sem o uso de agrotóxicos ou químicos. Na levada da saúde, a castanha de caju oferece muitos benefícios, inclusive como substituto proteico – o leite, o creme de leite de castanha, a pasta de castanha. Feita a partir do leite, a pasta de castanha de caju é um produto que permite várias aplicações, e encontrou no café o seu par perfeito — a dupla está fazendo sucesso em cafeterias no Oriente.
Por aqui, viajo no caju lembrando a batidinha carioca que mistura leite de coco e o caju para beber na areia enquanto ouço o samba-enredo do carnaval 2024 que já me roubou o coração: “Pede caju que eu dou, pé de caju que dá”.
Trufas. Paixão e êxtase!
É com paixão que se fala da trufa, esse cogumelo considerado o diamante da gastronomia. É com devoção que se trabalha com ela, iguaria que está entre os três alimentos mais raros - e caros - do mundo. E é com excitação que se senta à mesa para degustá-la.
É com paixão que se fala da trufa, esse cogumelo considerado o diamante da gastronomia. É com devoção que se trabalha com ela, iguaria que está entre os três alimentos mais raros - e caros - do mundo. E é com excitação que se senta à mesa para degustá-la.
Todas as sensações devotadas à trufa se completam com a felicidade de estar diante de Monica na Tartuferia San Paolo e com Nero a nossos pés, a nos mirar atento e cordial. Monica Maia Claro é a responsável por mais conhecimento e oportunidades de saborear as trufas no Brasil, vindas frescas e recém colhidas para a mesa ou envasadas, preparadas em receitas exclusivas - ela sabe criar e brincar com as muitas possibilidades desse produto. Nero é o querido cão da família Maia Claro, um Lagotto romagnolo, raça símbolo da iguaria na Itália, treinado no Brasil para realizar a missão de seus ancestrais: caçar tartufos - com sucesso!
Monica, Nero e as trufas
Lendas, ritos e milênios de história compõem a mística da trufa ou tartufo, como é chamado em italiano, esse fruto de um tipo de cogumelo que se forma no subsolo e só é encontrado por cães treinados que farejam seu aroma característico. Nos bosques de amendoeiras, castanheiras, nogueiras, pinheiros e outras espécies, a trufa é um presente da natureza. Lá se vão mais de três mil anos desde que se têm registros do consumo da trufa na civilização. Sempre foi um item nobre, presente à mesa de abastados que podiam comprá-la ou caçá-la com seus próprios meios. Monica visitou a Itália com a família e conheceu o percurso do tartufo na história, no tempo e no mercado de consumo. Fascinada pelas peculiaridades da iguaria, a engenheira química traçou um plano de expandir o consumo da trufa no Brasil - ela fala em democratização da experiência. Com o marido, empreenderam na aventura de importar o tartufo fresco e produzir alimentos com o item. A Tartuferia agora completa 10 anos com três unidades, 18 itens para venda - 10 feitos na Itália e 8 exclusivos desenvolvidos no Brasil - um cardápio para os restaurantes da rede que contempla pelo menos uma dúzia de pratos clássicos e criações desenvolvidas com chefs de cozinha sob a sugestão e supervisão cuidadosa e experiente de Monica. Por causa dela é que produtos como o Requeijão de Corte com Trufas Negras e a Goiabada com Trufas, brasileiríssimos, ganharam um final feliz como capuletos e montéquios possivelmente nunca imaginaram. Por causa dela, pode-se degustar as trufas brancas e negras frescas laminadas sobre um prato em qualquer época do ano, no Brasil, visto que o funghi é encontrado em todas as estações do ano, na Itália, e chega em 3 a 4 dias à mesa do feliz comensal em São Paulo. Por tudo isso, um ambiente para o tartufo surge aqui no país, permitindo que o cultivo de uma espécie brasileira, a trufa Sapucay, venha a dar frutos cada vez melhores no terroir nacional. Produtores e chefs no Sul e Sudeste se aplicam a desenvolver o item. Foi aí que o Nero conquistou o aprendizado para se tornar o primeiro caçador de trufas do Brasil.
Nero e as trufas
Toda essa trilha acontece com o amor de Monica pelo alimento e pela alimentação - ela desde cedo queria atuar na área, quando optou pela Engenharia Química. E se revela à mesa, na conversa harmonizada com os incontáveis sabores que experimentamos diante de pratos e talheres para provar e aprovar receitas preparadas com a iguaria que, como ela sonhou um dia, está ao alcance do paladar de quem queira viver essa experiência. Ah! Tudo sob o olhar atento e carinhoso do Nero, lógico.
www.tartuferiasanpaolo.com.br
@tartuferiaoficial
2024: a sorte, a bravura e o dragão
Vou contar aqui uma espécie de fábula multicultural gastronômica, preste atenção. Imagine que vamos entrar em 2024 por uma enorme porta em madeira maciça e um dragão nos recepciona. Sim, ele está lá, nosso anfitrião, é o seu ano, afinal: esse período que no horóscopo chinês inicia em 4 de fevereiro e no calendário lunar em 10 de fevereiro — para não perder tempo, vamos ficar preparados desde já.
Já pensou no que o novo ano traz de simbolismos?
E no que fazer para atrair boas energias?
Vou contar aqui uma espécie de fábula multicultural gastronômica, preste atenção. Imagine que vamos entrar em 2024 por uma enorme porta em madeira maciça e um dragão nos recepciona. Sim, ele está lá, nosso anfitrião, é o seu ano, afinal: esse período que no horóscopo chinês inicia em 4 de fevereiro e no calendário lunar em 10 de fevereiro — para não perder tempo, vamos ficar preparados desde já. O nobre dragão nos recebe com o poder da simbologia que sua figura carrega: ele representa uma grande disposição para realizar o impossível. O ser visionário nos conduzirá na jornada ano adentro com a proposta de levar a surpreendentes descobertas, com otimismo e disposição para concretizarmos nossos objetivos — ele quer ação! As interpretações para essa conjuntura variam, mas quase todas apontam que o dragão é o ser mítico abençoado com um grande e valente coração. Assim, nossa fábula inicia com a promessa de descobertas carregadas de coragem — a energia Yang, masculina — envolta por grande generosidade. Começamos bem!
O elemento madeira compõe a força no combo de energias do ano, também segundo o horóscopo chinês. A madeira nos lembra a mesa: o que vamos comer? Agora invoco os rituais ocidentais de sorte e sabor para compor com ingredientes dessa tradição uma refeição que encante dragãos e nós, reles mortais. O que buscamos são bençãos e sorte e para isso escolhi três itens indispensáveis para a mesa de entrada em 2024: romãs, lentilhas e uvas. Também servem aos cospe-fogo, inocentes herbívoros e frutívoros.
As romãs são consideradas verdadeiras jóias e as lendas de suas propriedades de sabor nos levam para histórias de mil e uma noites — mais uma fábula. Sucos, molhos, marinadas ou na finalização, a romã enfeitiça com sua cor e brilho. Um melaço de romã, por exemplo, é um néctar maravilhoso para laquear carnes e legumes. A romã simboliza fartura, sorte, fertilidade e prosperidade. E para ela há uma simpatia que diz que se deve engolir três caroços da fruta, jogar o mesmo número para trás e guardar o mesmo tanto na carteira para atrair fortuna, que quer dizer sorte.
Lentilhas, verde, coral ou de cores variadas, prenunciam muita sorte. A tradição de comer lentilha na passagem de ano foi trazida para o Brasil pelos imigrantes italianos — deve ser o primeiro alimento consumido no Ano Novo, tão logo o relógio marque a virada, para atrair fartura e prosperidade financeira. Cozidas al dente podem se transformar em uma deliciosa salada para acompanhar um bom peixe. Fritinhas misturadas ao arroz soltinho e temperado, acompanham um belo assado de porco ou de cordeiro. Também são perfeitas em um homus, para servir com cenourinhas e mini legumes, nos aperitivos.
Uvas sem sementes, brancas ou tintas, colocadas no congelador e cobertas com chocolate são um aperitivo frozen divertido e delicioso — logo na chegada ou junto às sobremesas. As uvas fazem mais lindos os drinques — clericot, sangrias — e molhos para massas, carnes. De acordo com os princípios do Feng Shui, existem certas frutas que simbolizam sorte e fortuna e são frequentemente usadas para atrair coisas boas: as uvas representam tudo isso — abundância, sucesso, riqueza material.
Essa fábula só tem começo: um anfitrião caloroso e destemido que nos abre um portal do novo ano, uma mesa de madeira com receitas e tradições de ingredientes que trazem boa fortuna, umas propostas de comidas que, além do sabor, têm histórias curiosas para contar e repartir com os convidados nessa jornada que inicia e ainda vamos ver onde vai dar. Tudo com as boas vindas que em qualquer cultura damos ao 2024!
É melhor na Suiça…
O verão brasileiro começa em 22 de dezembro e o calorão não quis saber, chegou antes. É esquentar e eu já me pergunto: como será que está na Suíça agora? De acordo com o Weather Channel, a previsão é de agradáveis temperaturas entre -3 e 6oC, ainda antes da entrada oficial do inverno. Posso imaginar mil coisas para fazer em uma temporada por lá e elas envolvem queijos, vinhos, chocolates e belas paisagens nevadas. No entanto, mesmo que eu acredite que sei tudo que vou encontrar, minhas definições precisam ser atualizadas: tem muito mais sabor, alegria e surpresas no elegante país alpino. Aumente o frio no ar-condicionado e sinta o clima com as dicas dessa rota deliciosamente gelada.
O verão brasileiro começa em 22 de dezembro e o calorão não quis saber, chegou antes. É esquentar e eu já me pergunto: como será que está na Suíça agora? De acordo com o Weather Channel, a previsão é de agradáveis temperaturas entre -3 e 6oC, ainda antes da entrada oficial do inverno. Posso imaginar mil coisas para fazer em uma temporada por lá e elas envolvem queijos, vinhos, chocolates e belas paisagens nevadas. No entanto, mesmo que eu acredite que sei tudo que vou encontrar, minhas definições precisam ser atualizadas: tem muito mais sabor, alegria e surpresas no elegante país alpino. Aumente o frio no ar-condicionado e sinta o clima com as dicas dessa rota deliciosamente gelada.
Fondue na Montanha
1. St. Moritz é o must-go suíço, com tantas coisas para fazer em seus 1.800m de altitude que atravessam estações — e gerações: os programas são para todas as idades. Grande parte das atividades esportivas da programação deste inverno acontecem no icônico Lago St. Moritz: desde um glamuroso campeonato de polo na neve, a 39º edição da Copa do Mundo de Polo na Neve, em janeiro de 2024, até, em fevereiro, o tradicional White Turf – International Horse Races, que acontece há mais de 100 anos nas montanhas de Engadina sobre o lago congelado, onde os cavalos correm a incríveis velocidades. Há, ainda, um concurso automobilístico, The I.C.E., no auge da temporada, quando o inverno transforma o Lago St. Moritz em um cenário branco e cintilante desafiado pelo calor dos carros e da torcida de admiradores. St. Moritz é também um lugar que festeja sua gastronomia: o famoso St Moritz Gourmet Festival celebra, em 2024, 30 Years of Culinary Excellence in the Engadine - A Fireworks of Stars, que terá a presença de 30 estrelas da gastronomia internacional.
É bom lembrar que a Suíça possui quatro línguas oficiais: francês, alemão, italiano e o romanche, língua românica derivada do latim. Inglês não é oficial, mas com o português somam as duas línguas estrangeiras mais faladas no país. Portanto, a comunicação é mais um ponto favorável.
2. Mais distante, aos pés da majestosa montanha Matterhorn, fica Zermatt, uma estação de esqui de conto de fadas — ou um conto de fadas que é estação de esqui. Próxima à fronteira com a Itália, Zermatt inaugura neste inverno a mais alta travessia contínua dos Alpes por teleférico, conectando a estação de montanha Mattherhorn Galcier Paradise à estação de Test Grigia, na Itália. Já pensou?
Zermatt
3. Muito ouvi falar desse lugar que ainda não conheço, mas faz parte da rota de estações de esqui mais charmosas nos Alpes suíços: Crans-Montana. Também no Cantão de Valais, o lugar combina esportes de inverno com gastronomia local e sofisticada, em altitudes que variam de 1.500 a 3.000 metros. No tour gastronômico, encontram-se cabanas pitorescas nas montanhas com menu da região e restaurantes Michelin, como os famosos Franck Reynaud l'Ours, do chef Franck, e LeMontBlanc, do LeCrans Hôtel & Spa. Em março, acontece por lá o Caprices Festival, um agito nas alturas com um palco de vidro e DJs do mundo todo sacudindo as montanhas.
4. Do outro lado, no cantão de Berna, Gstaad é bastante conhecida pelo número de celebs que a frequentam na temporada de inverno. A estação possui o Elevador Eggli, um marco arquitetônico nas montanhas com os teleféricos de design Porsche. Ali se instalam foodtrucks com a gastronomia do luxuoso The Alpina assinada pelo seu time de chefs. Se a proposta for apreciar o clássico fondue em uma paisagem estonteante, o Fondueland Gstaad é o lugar perfeito. E quem quer iniciar no esporte, Gstaad inaugurou recentemente cinco parques especializados para aprendizagem de esqui, tanto para crianças como adultos.
Gstaad
E os chocolates, queijos e vinhos?
5. Tudo junto: imagine você, nesta temporada suíça, dentro de um trem passeando por paisagens belíssimas entre as regiões produtoras de vinhos, enquanto degusta vinhos locais com pães e folhados. A primeira parada é na cidade de Gruyères, onde ... adivinha? Sim, onde você vai conhecer a produção do famoso queijo suíço, aprender sobre esse produto nacional e experimentar seu sabor in loco. De volta ao trem, o destino é a cidade de Broc, que desde 1898 é a sede da fábrica Cailler-Nestlé — e aí a festa é com eles, os chocolates! Esse é o Train du Chocolat, que existe desde 1915: ele sai da Gare de Montreux para chegar em Broc — o passeio dura 7 horas e 30 minutos (lembre-se da pontualidade suíça, outro precioso patrimônio).
Chocolate Suíço, uma especialidade
Algumas informações importantes para carregar junto com a curiosidade e o apetite antes de embarcar. A Suíça produz 700 tipos de queijos, todos feitos com leite suíço e sem nenhum aditivo; os queijos são avaliados em concursos nacionais que elegem os melhores do país e seus sabores variam entre o suave e o marcante, entre texturas do cremoso ao duríssimo – as classificações são: extra duro, duro, semiduro, cremoso, fresco, cream cheese e fundido.
Petiscando nos Alpes
O vinho que você degusta no vagão durante o percurso é nacional. A Suíça possui seis regiões produtoras e uma variedade de mais de 250 castas. As regiões de maior produção são aquelas fronteiriças com a França e Itália — Vaud e Valais, respectivamente. Uma suíça ou um suíço bebe por ano 38 garrafas de vinho (cada um) e, dessas, 14 são nacionais. Uma curiosidade: em Valais está localizada a menor vinícola do mundo, a Saillon, que produz apenas três vinhos, e ela pertence ao Dalai Lama.
Uma país pequeno, sem litoral de natureza exuberante, uma cultura moderna que preserva tradições, paisagens que convidam à contemplação, águas limpas, cidades com história e desenvolvimento e um povo diverso que é igual no respeito, na cordialidade — é tudo isso com as temperaturas lá em baixo e as caminhadas lá em cima. Imagina quando chegar o inverno paulistano, onde vou querer passar um verão impecável e charmoso?
Queijos e vinhos, iguarias Suíças
Quem quer tacacá?
Quando a Joelma quer tomar um tacacá, ela vai Voando pro Pará, rodopiando a cabeleira no seu calypso frenético de salto alto. Já Luis Gonzaga fez um baião delicioso com a receita do prato típico no disco Aboios e Vaquejadas, de 1956: “Tá aqui tucupi, tem mais o jambu, também camarão, quem quer tacacá?”. Mas e nós? Quando bate aquela vontade de beber tacacá, aonde vamos?
Foto do Instituto Paulo Martins
Quando a Joelma quer tomar um tacacá, ela vai Voando pro Pará, rodopiando a cabeleira no seu calipso frenético de salto alto. Já Luis Gonzaga fez um baião delicioso com a receita do prato típico no disco Aboios e Vaquejadas, de 1956: “Tá aqui tucupi, tem mais o jambu, também camarão, quem quer tacacá?”. Mas e nós? Quando bate aquela vontade de beber tacacá, aonde vamos?
Aqui preparei uma rota de lugares em São Paulo e no Rio de Janeiro para verdadeiras experiências com esse exótico caldo, escolhidas tanto pela autenticidade quanto pela originalidade das propostas. Mas preste atenção: antes de prová-lo ou sair por aí imitando a loira, é preciso se inteirar do assunto — o tacacá é rico em sabores e um tanto mais em história e cultura.
Foto do Instituto Paulo Martins
O tacacá está ligado às tradições alimentares dos povos indígenas brasileiros habitantes da região amazônica e o seu principal ingrediente é ela, nossa querida mandioca. É da mandioca que se obtém o tucupi, o líquido amarelo resultante da prensagem da raiz, e a goma de tapioca — o amido fornecido pela mandioca é que faz a goma. É muito importante que se valorize o processo, nada simples ou fácil, que preserva a tradição ancestral de preparo cem por cento artesanal. Depois do esforço e paciência dedicados à feitura do tucupi, a montagem do prato, em cada passo, lhe confere o sabor singular derivado dos demais itens: o camarão seco e o jambu, as famosas folhas verdes que têm o poder de entorpecer a língua e a boca, causando estranheza e fascínio. Primeiro o tucupi, depois a goma, então o jambu e o camarão. Aí o comensal que lute para eleger o tempero de seu gosto: cada tacacazeira (pessoa ou o local — barraca, casa — que prepara o tacacá) faz a sua magia temperando com itens a seu gosto o próprio tucupi, para depois acrescentar esse caldo temperado ao tacacá. No final, pode ser que tenha uma pimentinha no balcão para complementar o prato. Fique à vontade para escolher o seu tacacá querido.
Foto do Instituto Paulo Martins
Os amazônidas costumam consumir o tacacá não como prato principal, mas como um tira-gosto a qualquer hora do dia, em pequenas cuias com uma base de palha para não queimar os dedos — o negócio é quente, viu? Com tantas curiosidades e lendas ligadas a esse alimento, aí tem mais uma, um verdadeiro paradoxo: o tacacá é uma bebida que se come e um caldo quente que refresca...
Foto do Instituto Paulo Martins
As tacacazeiras se tornaram atração nas ruas das cidades da região e inclusive são tema de obras de diversos artistas, com destaque para a paraense Antonieta Santos-Feio (1897-1980). As mulheres que preparam o tacacá estão retratadas em uma série de óleos sobre telas. Uma de suas imagens poéticas de tacacazeiras de 1937 faz parte do acervo do Museu de Arte de Belém (PA).
Thiago Castanho é o cozinheiro que representa, traduz e transporta a cultura e a comida do Norte para além-fronteiras, chef dos Remansos na cidade e autor do saboroso Cozinha de Origem (Publifolha, 2014). Ele costuma dizer que o tacacá tem tudo o que um prato quer ter: “Acidez e doçura do tucupi, amido da sustança da goma, vegetal do jambu, proteína do camarão e ainda duas técnicas diferentes para lidar com a mandioca”.
Segundo Câmara Cascudo, em História da Alimentação no Brasil (1967), o tacacá é um alimento derivado de uma sopa que fazia parte dos hábitos alimentares dos índios do Pará. É facilmente encontrado nos estados do Norte, mas foi no Pará que fincou a cuia. De lá, ele espalhou lenda e perfumes, encantando moradores e forasteiros até nos enfeitiçar com essa vontade doida de dançar, curtir, ficar de boa... E não é que a Joelma tem razão?
Foto de Lucas Terribili
RIO DE JANEIRO
Emporio Grão Pará – em Copacabana @emporiograopara
Tacacá do Norte – no Flamengo @tacaca_do_norte
O Cantinho do Pará – em Jacarepaguá @ocantinhodopará
SÃO PAULO
Culinária Paraense – na Vila Carmosina @oparaensepoint
Casa Tucupi – na Vila Mariana @casatucupi
Banzeiro SP – no Itaim Bibi @banzeiro.oficial
BELÉM
Remanso do Peixe - @remansodopeixe
Barraca da Fafá - @barracafafa
Tacacá da Dona Maria – Av. Nazaré, na altura do 902 – Nazaré, em Belém
Fontes:
Joelma – Voando pro Pará
https://open.spotify.com/intl-pt/track/0rywmdqLgV4ebmnzPvSqmP?si=5629307b3585490b
Luiz Gonzaga – Tacacá
https://open.spotify.com/intl-pt/track/7Izcx0R4V9sOUxVB69XPH1?si=749a32aa179147b2
Antonieta Santos-Feio – Museu de Arte de Belém - https://mabe.belem.pa.gov.br/
Livro Cozinha de origem, Thiago Castanho, Ed. Publifolha, 2014 – na Amazon.