ROTA DE SABORES
Comer bem é quase um sonho? Sim! Como descubro aromas, temperos, sabores, endereços?
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Luiza Lafer constrói cenários de fantasia em sua confeitaria
A chef pâtissier formada na clássica Cordon Blue parisiense excita os sentidos com criações surpreendentes no recém-inaugurado endereço em Pinheiros.
A chef pâtissier formada na clássica Cordon Blue parisiense excita os sentidos com criações surpreendentes no recém-inaugurado endereço em Pinheiros.
Luiza prova uma fatia: não parece cena de um filme? (foto Marco Lafer)
Gosto de brincar que ela é o Tim Burton da confeitaria. Cada criação sua tem narrativa própria e uma atmosfera de pura fantasia! E como acontece com os filmes do excêntrico diretor norte-americano, quando nos deixamos levar pela experiência, somos envolvidos pela encantadora magia que ela provoca.
Por oito anos Luiza Lafer dedicou seu talento e formação a encomendas de bolos e tortas criados em seu ateliê fechado. Era postar uma foto e a imagem arrastava um quarteirão de seguidores com pedidos dos doces. Agora ela tem endereço em Pinheiros, horário, mesinhas e lugares na casa branca onde fabrica e serve suas obras-primas tão aguardadas pela plateia de São Paulo. Com o nome da artista, a Luiza Lafer Confeitaria convida a uma experiência gastronômica fora do comum, adentrando sua cenografia de sabores.
O que se vê é uma pâtisserie de arte com sólida base na confeitaria francesa e influência da yogashi, confeitaria japonesa contemporânea: leveza, dulçor equilibrado, inventividade. Ela chama de bolos especiais as peças únicas que cria a partir do desejo e briefing desenvolvido em conjunto com a cliente, usando buttercream, bom-humor e acabamentos artísticos. Luiza compõe verdadeiros cenários comestíveis com flores, folhas, pérolas, gelatinas, frutas e vegetais
O bolo musse de chocolate é um hit (foto Marco Lafer)
O bolo musse de chocolate, feito com 54% cacau e coberto por avelãs caramelizadas com flor de sal, é dos mais pedidos. O bolo tres leches é um chiffon de coco com creme de baunilha e calda de caramelo de cumaru e coco, uma pluma saborosa. O bolo de maracujá e framboesa, chiffon de limão-siciliano com curd de maracujá, framboesas e um creme aveludado de chocolate branco que é composto como poesia.
Bolo de morango, beleza cenográfica (foto Marco Lafer)
A carta de doces é um manifesto lavrado na autenticidade de sua proposta. O legado de cânones da gastronomia e confeitaria, como Ottolenghi e Claire Ptak, ela transformou em receitas, em interpretações como a babka com chocolate e tahine, o blondie de matcha e gergelim preto e um ousado cookie de gochujang (pasta de pimenta coreana), que batizei de beetlejuice: provocante e irreverente, dá medo, mas vale a coragem!
Aproveite a visita para brindar com vinhos naturais, cervejas japonesas, cafés e matchas quentes e gelados. Qualquer das opções rima perfeitamente!
Tres leches: caramelo de cumaru e coco (foto Marco Lafer)
Longa vida ao chocolate brasileiro
O chocolate está presente na história da Humanidade há pelo menos 5.000 anos. Ele é consumido na forma em que o conhecemos faz pouco: a barra surgiu no século 19 e passou a ser produzida em larga escala no século 20. O que é o chocolate de origem, hoje — alimento produzido a partir do cacau de terroirs, cultivado de forma sustentável e a produção controlada da amêndoa à barra — é também o seu futuro próximo e possível. Inclusive no Brasil, onde estamos aprendendo seu real sabor e valor.
O chocolate está presente na história da Humanidade há pelo menos 5.000 anos. Ele é consumido na forma em que o conhecemos faz pouco: a barra surgiu no século 19 e passou a ser produzida em larga escala no século 20. O que é o chocolate de origem, hoje — alimento produzido a partir do cacau de terroirs, cultivado de forma sustentável e a produção controlada da amêndoa à barra — é também o seu futuro próximo e possível. Inclusive no Brasil, onde estamos aprendendo seu real sabor e valor.
A Theobroma cacao é uma árvore da região amazônica que foi domesticada pelos povos mesoamericanos, os olmecas, antecessores de incas e astecas. Eles faziam um processo de fermentação e secagem das sementes da fruta, que assim ficavam saborosas e perfumadas. Trituradas, de molho, filtradas e coadas, elas produziam a tal bebida, amarga e revitalizante: o chocolate. Os espanhóis introduziram o chocolate na Europa e a bebida ganhou açúcar; os britânicos desenvolveram a primeira barra de chocolate, um suíço adicionou leite e outro incrementou técnicas de produção: assim fez-se a indústria do chocolate, que levou esse alimento para o mundo todo.
No Brasil, o cacau trazido pelos europeus prosperou na Bahia e, mais tarde, no Pará. O chocolate existente no mercado, hoje, é um produto alimentício que deve ter, no mínimo, 25% de cacau, segundo a legislação — existem projetos em tramitação requerendo que esse índice seja de pelo menos 35%. O chocolate fino, no entanto, é aquele produzido com cacau como principal componente, cuja qualidade está ligada também à origem da amêndoa, ao processo de produção e ingredientes adicionais. E aí chegamos ao bean-to-bar.
Magian Cacao: cacau baiano feito no Rio Grande do Sul (foto: divulgação Magian Cacao)
Foi na Bahia que provei o chocolate Magian Cacao, quando encontrei as barrinhas entre os bolos e gostosuras na vitrine do Santo Café, em Trancoso. O chocolate chamou minha atenção e ganhou meu gosto (que é o mesmo que meu coração), quando oexperimentei. Utilizando cacaus baiano e amazônico, é feito artesanalmente em Porto Alegre (RS) por um chocolateiro apaixonado, André Passow, que viaja enormes distâncias de Sul a Norte nutrindo os laços entre ele, produtores e os pés de cacau. E olha que o André leva a família junto!
A ligação entre o produtor e o artesão do chocolate é parte essencial na elaboração dos chocolates bean-to-bar. No encontro Brazil Bean to Bar Chocolate Week, dedicado ao chocolate artesanal, durante um final de semana em São Paulo, é possível entender essa relação. O evento traz produtores de cacau, chocolate makers e especialistas dos chocolates de origem que apresentam ao público produtos e as histórias do grão à barra. Faz parte do evento o Prêmio Brasil Chocolate do Cacau à Barra, este ano em segunda edição, do qual tive a felicidade de fazer parte do grupo de jurados convidados a avaliar 31 amostras às cegas e premiar as melhores. Todas com o mínimo de 70% de cacau.
Foram três: Monjolo, de Campinas (SP), vencedora do bronze; o Mission, de São Paulo (SP), com prata, e o C’Alma, de Goiânia (GO), ganhador do ouro. As três marcas são comandadas por mulheres e todas trazem para a cena gastronômica e ao olhar do público o entendimento do que é um chocolate de qualidade e a importância do produto trabalhado do grão à barra.
O chocolate 70% da C’Alma, premiado com Ouro (foto: Studio Ode / produção: Bruna Brom)
A Mission e a barra premiada na categoria Prata (foto: divulgação Mission)
A Monjolo é uma marca que atua como curadora de chocolates bean-to-bar brasileiros criada pela pesquisadora Luana Vieira, PhD em cacau e chocolate. A barra selecionada foi feita com amêndoas do produtor João Rios, do terroir Tuerê, no Pará. É de lá também o chocolate que ganhou Ouro, da C’Alma, de Ariana Ribeiro, feito com amêndoas do produtor João Evangelista. A região paraense vem se desenvolvendo na produção de cacau de excelência, fazendo com que a origem Tuerê seja sinônimo de alta qualidade e complexidade de sabores nos chocolates que compõe. A marca destacada com prata é a Mission, da chocolatiére premiada Arcelia Gallardo, hispano-americana sediada no Brasil, chocolatier e professora empenhada na missão de trabalhar com produtores de cacau, fabricantes e de ensinar mulheres indígenas a fazer chocolate. Ela apresentou uma barra com um blend de amêndoas da Bahia e de Tuerê — a região produtora é uma unanimidade!
Essas marcas produzem barras clássicas com altas gradações de cacau e também fazem chocolates com sabores originais e alguns típicos, em blends, oferecendo experiências deliciosas. A Monjolo apresenta um chocolate intenso, 68% cacau, com azeite de oliva da Serra da Mantiqueira. A Mission oferece em seu portfólio chocolates com ingredientes brasileiros; por exemplo o chocolate ao leite com queijo da Canastra, que lhe rendeu prêmios, e um 60% cacau com rapadura e limão, em referência à caipirinha. A C’Alma rende homenagem à herança regional e produz o Pastelinho de Goiás, feito com chocolate de doce de leite e um toque de canela combinado a pedaços crocantes da massa do autêntico pastelinho goiano.
Assim caminha a produção chocolateira brasileira, reconhecida internacionalmente e, importante, pelos brasileiros, que passam a valorizar o produto construindo um futuro sustentável para o chocolate.
Monjolo e a barra de chocolate com azeite da Serra da Mantiqueira (foto: divulgação Monjolo)
Pastelinho de Goiás, homenagem da C’Alma Chocolates à tradição culinária da região (foto: Studio Ode / produção: Bruna Brom)
Mestres do café
Quem produz, quem torra, quem prepara e traz a xicara perfumada e doce do café especial brasileiro até nós.
Quem produz, quem torra, quem prepara e traz a xicara perfumada e doce do café especial brasileiro até nós.
Espressos da Café Por Elas (foto Café Por Elas divulgação)
Coado da Baden Torrefação (foto Baden divulgação)
Especialista quer dizer muitas coisas, mas de imediato a definição acende a luz: alguém que entende de um assunto. Conheci especialistas em café e me vi dentro de um outro universo, na galáxia dessa bebida que é das minhas mais queridas.
Há poucos dias, aconteceu no Estúdio Carla Pernambuco o evento chamado Cafesta, sob as bençãos da curadora do espaço Floriana Breyer. Ligada na trend mundial das festas jovens à luz do dia com café ao som de música eletrônica, Luiza Estima pegou essa proposta e colocou em outro nível — e inventou a Cafesta. Luiza diz que não é especialista, mas uma apreciadora do café especial brasileiro que cria experiências com a bebida. Ela faz oficinas de escrita com o café como tema, organiza degustações, promove debates e a expansão da cultura do café. Na Cafesta, juntou música brasileira, arte, gastronomia e muita história, tudo envolvendo o café, oferecendo uma experiência inédita para o público que teve a curiosidade — e o apetite — para conferir. Quem foi aprendeu um pouco mais, pois o que se sabe sobre o café, a segunda bebida mais consumida no planeta depois da água e o grão que faz do Brasil o maior produtor mundial, é quase nada.
Há um infinito de possibilidades.
Entre os filtrados, o coado na V60 é dos mais comuns nas cafeterias (foto Baden divulgação)
Os especialistas do café são aqueles que conhecem e entendem dessa bebida mágica e ainda nos ensinam sobre ela. Ensei Neto é um deles. Engenheiro químico especializado em Tecnologia de Alimentos e Bebidas, consultor para produtores e empreendedores de negócios com café, ele percorre a jornada do grão desde a terra à xícara oferecendo possibilidades de extrair o melhor desse produto. Ensei também é músico e, ligado que é na boa música brasileira, na Cafesta ele assinou a playlist animada por hits e raridades da MPB. Paulo Gabriel é outro. É barista e mestre de torra: ele prepara os cafés, cria receitas e torra os grãos para que possamos saborear a bebida com todas as suas qualidades (tem até receita ao final). Paulo também é coordenador do projeto social Fazedores de Café, que forma jovens para a profissão de barista — ele mesmo o primeiro Fazedor das 10 turmas já concluídas com 90% dos formados no mercado de trabalho.
Paulo assinou as bebidas na Cafesta: espressos, lattes e filtrados, drinques com e sem álcool. Provei o Espresso Tônica com mel e limão, um frescor! E um drinque com licor de café e laranja, pouco alcóolico e muito saboroso. Baristas são especialistas em fazer do café a melhor experiência para o coffee lover, como eu, ou iniciantes e curiosos, como muitos dos que estiveram na Cafesta. O barista é um profissional bastante requisitado no mercado para tirar o espresso perfeito, explicar a bebida, filtrar em diferentes métodos — pode ser aeropress, clever, prensa francesa e tantos mais que vamos pegando o jeito para beber e até preparar com os aparatos em casa.
Um café filtrado na prensa francesa (foto Caio Ferrari para Zel Café)
Os cafés que estavam nas bebidas e comidas da Cafesta foram três: o Zel, de Minas Gerais, o Café por Elas, das irmãs Nadia e Julia, de São Paulo, e a Baden Torrefação, do Rio Grande do Sul. As três marcas representadas pelas próprias empreendedoras na Cafesta trouxeram mais saberes ao momento: o café é mais que um negócio, é a bebida com que escrevemos nosso cotidiano e com a qual construímos conexões, história e sabores.
Ainda não sou uma especialista — provavelmente nem serei — mas o aprendizado foi valioso.
As empreendedoras: Café por Elas, Baden e Zel (foto divulgação)
Irish Coffee preparado pelos baristas do projeto Fazedores de Café com o grão Catuaí da Café Por Elas (foto Café por Elas)
Irish Coffee
Ingredientes
30ml de uísque irlandês
150ml de café coado
5g de açúcar mascavo
10g de creme de leite batido
Modo de preparo
Aqueça previamente a taça com água quente e descarte o líquido.
Adicione o açúcar, o uísque e o café quente na taça. Misture bem até o açúcar se dissolver completamente.
Em uma coqueteleira, bata o creme de leite com uma pedra de gelo apenas para aerar — ele deve ficar leve, mas ainda líquido. Coe para remover o gelo.
Com delicadeza, despeje o creme sobre o café usando as costas de uma colher, para que ele flutue na superfície sem misturar.
Sirva imediatamente — e não mexa!
O charme do Irish Coffee está em beber o café quente por baixo e o creme frio por cima, em camadas.
Na fronteira com o infinito, o Poleiro de Kassandra e Bruno
Uma cafeteria distante dos grandes centros, dois chefs de cozinha consolidados e uma proposta irresistível e saborosa para viajar com o paladar.
Uma cafeteria distante dos grandes centros, dois chefs de cozinha consolidados e uma proposta irresistível e saborosa para viajar com o paladar.
Kassandra Barum tem 33 anos e já percorreu o Rio Grande do Sul braseando carnes na fronteira, assando pães e doces, chefiando a cozinha e assessorando chefs em grandes casas de Porto Alegre. Estudou Gastronomia em Pelotas, onde nasceu, e lá também fez parte da equipe do Chu, restaurante que foi ícone da gastronomia local até encerrar atividades. Essa chef corajosa e cheia de talentos foi pequena para São Luiz Gonzaga, uma simpática cidade que compõe a região das Missões, no noroeste do Estado, onde agora inaugura o Poleiro, entre os 35 mil habitantes do município. Poleiro, pra quem não sabe, é onde as aves descansam dos voos pelo mundo — o pouso.
A fachada do Poleiro, em São Luiz Gonzaga, no Rio Grande do Sul (foto Amanda Rosa)
Com a cafeteria, Kassandra começa uma nova jornada. O chef Bruno Celente está com ela na empreitada, é sócio no projeto — os dois trabalharam juntos em várias cozinhas por onde passaram. Bruno é graduado em Gastronomia e também construiu uma carreira sólida, comandando cozinhas de renome no Rio Grande do Sul, fora do Estado e, mais recentemente, fora do país. Ele foi chef de cozinha em casas do grupo 20Barra9, em Porto Alegre, onde conquistou o prêmio de Chef Revelação em 2022.
Os sócios do Poleiro: Bruno Celente e Kassandra Barum (foto Amanda Rosa)
Os dois agora estão a mais de 500 km da capital gaúcha, próximos à Argentina, na região das Missões, conhecida pelas ruínas jesuítico-guarani, que compõem um cenário espetacular com a paisagem natural. Tudo se mistura: o verde das coxilhas com os extensos campos cortados pelo silêncio dos ventos. Lá estão a memória e a história dos povos indígenas, a cultura exposta na arquitetura barroca remanescente nas pequenas cidades e vilas.
A mesa farta e a paisagem das Missões na janela do Poleiro (foto Auryn)
A ideia de sair do roteiro concorrido dos restaurantes nos grandes centros é um sonho que fascina e ao mesmo tempo desafia os profissionais no dia a dia da gastronomia. O desejo, muitas vezes, é de paz e uma vida com mais qualidade fazendo o que gosta na cozinha. Estar próximo do produto e produtores também é parte do projeto imaginado. Nomes famosos da gastronomia mundial estabeleceram fama e sucesso distantes do arerê em que vivem os restaurantes, a crítica, os influencers, os seguidores com mais fome de novidades do que apetite pela comida confortável e saborosa. E mobilizaram os gourmets viajantes a irem até onde estão. Assim foi com os espanhóis da costa basca, com italianos pela bota abaixo e adentro, americanos além de New York, Miami, San Francisco, só para citar alguns.
O café especial, pães de queijo, madeleines e a atmosfera de aconchego do Poleiro (foto Auryn)
Kassandra consolidou seu estilo na confeitaria, com bolos, doces, tortas, folhados de sofisticada viennoiserie, pães e chocolateria que só de lembrar fico com desejo. Confeiteira das casas em Porto Alegre onde assino cardápio, tive a oportunidade de estar próxima a ela e Bruno e de provar sua gastronomia de extremo capricho e conforto. Bolos para café que iniciam uma conversa, madeleines que sussurram segredos, fofas e delicadas. No Poleiro, o ritmo é esse, o das fornadas: uma hora os pães, logo mais o perfume do café — escolhido a dedo entre as excelentes torrefações de especiais que existem no Rio Grande do Sul —, cookies chocolatudos, sanduíches em pães de fermentação natural, quiches, uma torta folheada com doce de leite que é de comer rezando. O clima convida.
A torta Rogel, no estilo uruguaio, com muito doce de leite (foto Auryn)
A paz que buscaram nessa migração escolhida está lá, na paisagem, no compasso harmonioso da São Luiz Gonzaga rio-grandense. E o burburinho no Poleiro já começou, antes mesmo de inaugurar: atendendo pedidos e vendendo as fornadas do dia, o movimento é grande. Ao abrir as portas, no dia 19 de agosto, o Poleiro de Kassandra e Bruno vai trazer novas histórias para a região encantada, garanto!
Os Vinhos da Cata
Liberdade para os vinhedos, cuidado com as particularidades de cada terroir e colaboração com os produtores fazem a marca de vinhos do trio de jovens sócios conquistar um lugar próprio na cena enogastronômica brasileira.
Liberdade para os vinhedos, cuidado com as particularidades de cada terroir e colaboração com os produtores fazem a marca de vinhos do trio de jovens sócios conquistar um lugar próprio na cena enogastronômica brasileira.
Blend da região chilena de Itata: descobertas (foto divulgação)
Digamos que eu já tenha pensado em produzir vinhos. Imaginei que viveria em uma região remota e sofisticada, com denominação de origem, em uma propriedade onde poderia mirar, do alto da colina, meus vinhedos coloridos e perfumados. Depois, como um milagre, veria nascer, do meu desejo, vinhos nobres e perfeitos, engarrafados com o rótulo Carlota. Um sonho.
O trio André, Eduardo e Luca nem perdeu tempo sonhando: quando os três decidiram produzir vinhos, foram à cata de terroirs que lhes fizessem vibrar a alma, buscaram os produtores com quem formar parcerias e selaram contrato para a vinificação em uma estrutura já existente, formatada para esse modelo de negócios. Sem vinhedos próprios, sem a construção arrastada e dispendiosa de uma indústria, mas com propósito e determinação, esses talentosos e entusiasmados moços criaram a Cata Terroirs — eles estão produzindo vinhos únicos de diferentes terroirs, valorizando a origem e a melhor expressão de cada safra.
“O tempo é para o vinho: ouvimos o que ele tem a dizer e apreciamos o processo”, explica Edu, enólogo que encanta com a paixão que revela em seu dia a dia nos vinhedos — de igual tamanho do seu conhecimento e experiência. Eduardo Strechar é formado em Viticultura e Enologia na Austrália e muito jovem já estava em campo pelo mundo, trabalhando no Chile, na Itália até se fixar de volta no Brasil, na região vinícola de Santa Catarina. André é enófilo, sócio investidor, e está no Rio de Janeiro. Luca Fumagalli é um gaúcho erradicado em Curitiba e Florianópolis, uma cabeça com os pés no chão, os olhos no futuro e a taça na mão, percorrendo o mercado com uma estratégia firme e serena para servir os vinhos nas boas mesas da gastronomia. Cata é a forma carinhosa de chamar os nascidos em Santa Catarina; é também a expressão, em português, de caçar, procurar — essência da marca — e cata é, ainda, degustar, em espanhol.
Edu nos vinhedos (foto divulgação)
Luca no mercado (foto Nakayama)
Tudo alinhado, o projeto iniciou em 2019, com as primeiras garrafas lançadas no mercado em 2020. A Cata hoje tem pelo menos 13 vinhos diferentes produzidos em vinhedos de Urubici, São Joaquim e Urupema, nas altitudes máximas de Santa Catarina), em Bento Gonçalves e Vacaria, também regiões altas no Rio Grande do Sul, e, no Chile, no ainda pouco conhecido (por aqui) Vale do Itata. É dessa região vinícola histórica, um dos berços da produção de vinho no país, conhecida por seus vinhedos antigos, que vêm os varietais País e Cinsault, presentes no blend Itata 2021, junto a uma pequena parte de Syrah. O vinho é bastante complexo, intenso nas frutas vermelhas trazidas pela Cinsault e um toque floral selvagem, marca da variedade País.
Edu carrega o varietal chileno País (foto divulgação)
A Sangiovese está presente em um blend com Cabernet Sauvignon de terroirs de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, safra 2022, onde a maturação em barricas de carvalho francês é feita por 24 meses, cada variedade individualmente.
Os brancos da Cata são sofisticados e elegantes como os tintos e, igualmente, trazem o propósito da marca de surpreender com terroirs e métodos. Assim é com o Gran Cata Alvarinho 2022, a uva de origem ibérica produzida no terroir de Faria Lemos, em Bento Gonçalves (RS), fermentada e maturada por 12 meses em carvalho francês e com uma leve tosta. A sensação é de deslumbre, diante da harmonia dos sabores que destacam pêssego em calda, uma pitada cítrica, baunilha, amêndoas, damasco e mel — incrível! A Viognier da Cata é também uma revelação do terroir em Vacaria (RS), floral e frutado, com acidez viva e equilibrada.
Gran Cata 2022: Alvarinho de terroir brasileiro (foto divulgação)
A relação com os territórios é estabelecida em franca colaboração: Edu e Luca são parceiros dos pequenos produtores em cada terroir, trocando conhecimento, experimentando práticas e provando os vinhos. “Queremos ter a melhor matéria-prima e produzir bons vinhos”, conta Edu. Para ele, a variedade de terroirs assegura a diversidade de produtos e oferece segurança de obter insumos de qualidade, diante das alterações climáticas que atingem todas as áreas. E Luca ressalta, ainda, a mínima intervenção humana nos territórios, “ela está nos processos, que definem o vinho” — conclui.
Luca e o filho Nico no vinhedo (foto arquivo pessoal)
Liberdade e cuidado: assim pode ser traduzida a relação com o tempo e o espaço que os empreendedores da Cata Terroirs estabelecem para produzir os vinhos com personalidade, bom gosto e originalidade. Os próximos territórios estão por vir, é bom ficar de olho, taças na mão. Salud!
Bala de Coco
O coco por si só é perfeito: sua água fresca, nutritiva, a polpa suculenta e docinha oferecem saúde e prazer. Doces que têm coco, então, são divinos: cocada, quindim, pudim, beijinho. De todos, a bala de coco é a minha epifania. Macia, branca, traz a nostalgia de lembranças felizes, um sabor que dissolve e permanece na boca e na memória.
O coco por si só é perfeito: sua água fresca, nutritiva, a polpa suculenta e docinha oferecem saúde e prazer. Doces que têm coco, então, são divinos: cocada, quindim, pudim, beijinho. De todos, a bala de coco é a minha epifania. Macia, branca, traz a nostalgia de lembranças felizes, um sabor que dissolve e permanece na boca e na memória.
O clássico pote das balas, com balas de coco de Danielle Andrade (foto Romero Cruz)
Doce popular e, ao mesmo tempo, uma relíquia da presença portuguesa na cultura brasileira, a bala de coco tem origem no alfenim, que, por sua vez, era parte das tradições culinárias árabes, levadas a Portugal pelas navegações. “Alfenim” deriva de "al-fenid": em árabe significa "o branco”. Feito à base de açúcar, água e, em algumas versões, com clara de ovo, o alfenim era cozido até atingir o ponto de fio, e aí moldado em diversas formas — animais, figuras humanas e objetos. Podiam ser, também, estampas de anjos, pombas, corações, imagens para marcar celebrações religiosas. No Brasil, a receita ganhou mais um item, o coco, nascendo então esse delicioso símbolo da doçaria do país.
As balas de coco que a chef confeiteira Danielle Andrade produz em seu ateliê vêm dessa antiga linhagem. Ela está adicionando novos capítulos para essa história de mais de 500 anos: já experimentou balas de coco recheadas? E balas gigantes, para cortar e dividir? A doceira faz uma verdadeira festa com o coco e as balas no seu portifólio de delícias que produz.
Balas de coco recheadas e estampadas com figuras: capricho da doceira Danielle Andrade (foto Paula Belo)
Os recheios das balas podem ser de frutas e doces: abacaxi, limão siciliano, frutas vermelhas, abóbora, brigadeiro, coco cremoso, doce de leite, nozes, castanha do Pará, baba de moça, pistache, entre outros. Romeu & Julieta traz o terceiro elemento para a relação e dá tudo certo: fica delicioso! Danielle criou a bala de coco em versão big, como um rocambole, servida em uma tábua de madeira, perfeita para compartilhar.
A doceira é, como eu, uma apaixonada pelo coco. Desde cedo, na cozinha da mãe, participava da produção de doces e sobremesas para as refeições da família. Seu caminho natural foi cursar Gastronomia, especializar-se em confeitaria e, depois, cursar a Pós-Graduação em Eventos. Em seu ateliê, as balas de coco são o carro-chefe. Danielle produz uma variedade de bolos, tortas e docinhos para festas e atende pedidos nas plataformas de delivery. Só para citar os doces que ela faz com coco, o pudim de tapioca com baba de moça é uma perdição e o bolo de coco gelado, de capotar!
Olha que, do coco, a cocada rouba meu coração. Mas quando se trata da bala de coco da Danielle, fico dividida. É que a bala de coco tem todo essa aura de memórias que emerge à nossa mente quando ela derrete na boca. É um encantamento. O significado fica ainda mais forte ao desembrulhar a doçura branca do papel de seda com franjinhas. Aí é covardia!
O capricho das balas de coco de Danielle Andrade (foto Romero Cruz)
Machado de Assis, se conhecesse as balas de coco da Danielle, teria feito Bentinho comprar algumas para Capitu, em vez da cocada, doce querido dos dois apaixonados que a moça recusou, marcando o conflito que viviam no momento, em Dom Casmurro. Será que a história seria diferente se ele oferecesse a ela as balas de coco?
SHOSHANA e o universo de sabores judaicos pelo mundo
A dispersão do povo judeu pelo mundo ao longo da história marca a sua identidade e, por conseguinte, a sua culinária. A diáspora é uma força dramática presente em seus costumes que atinge os sabores da cozinha praticada em casa e nos serviços de alimentação — da cozinha de família aos empórios de alimentos, caterings, os restaurantes, as delis.
O ambiente hoje e os registros do passado na parede do Shoshana, no Bom Retiro desde 1991
(foto Laís Acsa)
A dispersão do povo judeu pelo mundo ao longo da história marca a sua identidade e, por conseguinte, a sua culinária. A diáspora é uma força dramática presente em seus costumes que atinge os sabores da cozinha praticada em casa e nos serviços de alimentação — da cozinha de família aos empórios de alimentos, caterings, os restaurantes, as delis. Desde os primeiros tempos do Carlota, que comemora 30 anos instalado em Higienópolis, tradicional bairro judaico paulistano, a cultura e a comida judaica me aguçam os sentidos em proporções imensas, talvez em igual medida ao apoio e presença que a comunidade dedica à minha gastronomia e aos meus esforços empreendedores na alimentação na nossa querida São Paulo.
A culinária judaica na cidade, ashkenazi ou sefaradita, se espalha pelos bairros — Jardins, Santa Cecília e Higienópolis, Pinheiros, o Centro, e o berço histórico da migração, o Bom Retiro. Pode ser que você nunca tenha ido comer no Bom Retiro (trate de fazê-lo!), mas se algum dia visitou as lojas ou as inúmeras indústrias do bairro, possivelmente passou pelo Shoshana na calçada da Correia de Melo.
Diversidade: entradas, pastas, pratos e drinques da cozinha multicultural judaica no Shoshana (foto Laís Acsa)
O nome é o de Shoshana Baruch, que, com o marido, Adi, juntos fundaram o restaurante em 1991. A casa e os pratos se tornaram referência para a comunidade e toda a cidade. Em 2020, na crise durante a pandemia, Shoshi, como é chamada, anunciou o fechamento. Foi então que os amigos e frequentadores Benjamin Seroussi, Artur Hirsch e Inês Mindlin se uniram na missão de reerguer o lugar. Eles trouxeram investimentos e atualmente formam um grupo de 25 sócios responsáveis pelo negócio. Trataram da reestruturação da casa e a reinauguração aconteceu em 2022 — tudo para que o último clássico da cozinha judaica do bairro não encerrasse as atividades.
A proposta deu certo e o Shoshana incorporou à sua história o propósito de ser uma comunidade engajada em reproduzir, à mesa, a influência de todos os lugares onde há ou houve uma presença judaica. É a culinária diaspórica.
A equipe em frente à casa e a chef Ananda Lutzenberger: o time Shoshana (fotos Laís Acsa)
O cardápio mantém alguns dos pratos clássicos de Shoshana, caso da língua bovina e do famoso pudim de leite da fundadora, e ainda capricha nas inovações. Entradinhas e principais mesclam técnicas, preparos e ingredientes típicos dos diversos povos judaicos espalhados pelo planeta. É o caso do meu querido Gefilte Fish, por exemplo, o bolinho de peixe tradicional servido com chreim, molho de raiz forte e beterraba — há também na versão frita. E outros, como o Mish-mash, que mistura patês de fígado de galinha assado e de ovo perfeito, e os Latkes, as panquequinhas fritas servidas com ricota caseira. Nos principais, a Língua da Shoshi, receita oficial da matriarca, vem com salada de folhas e Varenikes recheados com batata. Adoro língua e sou exigente com o prato: o da Shoshana é espetacular!
Uma opção bacana que também me seduz são os sanduíches, um pouco NY, um pouco SP. A sopa Borscht, de beterraba caramelizada, habita minhas memórias entre os melhores sabores da vida; é servida fria ou quente, com creme azedo, em grande ou pequena porção — como entrada ficou perfeita. O Shakshuka, que tem som e tradução de coisas misturadas — ovos poché cozidos no molho tomatudo — foi uma escolha depois da Borscht, e ainda pedi com linguiça bovina picante à moda da África do Norte.
Varenikes, sanduíches e o shakshuka (fotos Lais Acsa)
Sobremesas fazem um espetáculo à parte na cozinha judaica. O doce de laranja e o pudim são queridos do público que a Shoshi conquistou. A Laranja do kibutz é como uma poesia, de tão bela, saborosa e metafórica: brulê, é feita no açúcar de cardamomo e água de flor de laranjeira sobre uma farofinha do biscoito de azeite e alecrim da casa.
O pudim famoso da Shoshi e a laranja poética (fotos Lais Acsa)
Drinques estão em uma carta composta por Günter Sarfert, que mergulhou na cultura judaica para elaborar os coquetéis, com ou sem álcool. O Heschel é um drinque criado para homenagear importante rabino da comunidade dos Estados Unidos, nos anos 1960 — leva whiskey e krupnik, uma mistura de vodka, mel e especiarias, típica da comunidade judaica do leste europeu. Sextas-feiras é bom para provar bebidas, dia de “Boteco do Shabat”, a partir das 18h, com muita música e alegria.
O drinque Heschel (foto Laís Acsa) e muita música no Shabat, às sextas (foto divulgação)
Os nomes dos pratos, das tradições e canções soam divertidos, porque quase impossíveis de pronunciar com os diferentes sons da Língua Portuguesa. A dica está escrita no cardápio — e vale para tudo —, se não conseguir pronunciar, experimente.
Experimente o que não conhece, tente saborear o que é diferente e quem sabe gostar. Longa vida ao Shoshana e à diversidade multicultural de seus sabores!
O Fantástico Pirarucu
O lendário peixe gigante do Amazonas é uma carne nobre utilizada em vários tipos de preparo. O pirarucu já correu risco de extinção, e, agora, controlado pelo manejo sustentável, é um produto com alto valor nutritivo e gastronômico que conquista o paladar e o mercado brasileiros.
O lendário peixe gigante do Amazonas é uma carne nobre utilizada em vários tipos de preparo. O pirarucu já correu risco de extinção, e, agora, controlado pelo manejo sustentável, é um produto com alto valor nutritivo e gastronômico que conquista o paladar e o mercado brasileiros.
Meu ceviche amazônico com pirarucu (foto Leticia Abdo)
O peixe fascinante, cercado por fantasia e mistério, seja pelo seu tamanho colossal — pode chegar a três metros e pesar até 250kg —, seja pela beleza da coloração vermelha de suas escamas (em tupi, pirarucu quer dizer peixe vermelho*) ou as lendas e mitos que o cercam, oferece muitas possibilidades de consumo. Por sua carne firme, rica e saborosa; pela originalidade de sua pele, utilizada na moda e no design, pelos ossos e escamas: tudo é aproveitado.
Fiz um ceviche delicioso com a carne — a receita está no final! E ainda tenho uma bolsa linda, produzida com a pele.
Cerca de 20 anos atrás, isso não seria possível, pois a pesca descontrolada levou a uma queda dramática na população de animais. O esforço conjunto entre os povos tradicionais e ribeirinhos da Amazônia, entidades de conservação, órgãos ambientais e grupos específicos para a proteção do peixe, aplicando técnicas de manejo e controle, resultou no crescimento da espécie e no desenvolvimento sustentável das comunidades que vivem do pirarucu. Na ASPROC – Associação dos Produtores Rurais de Carauari, município localizado em uma região distante mais de 700 km de Manaus, Ana Alice Oliveira de Britto é uma das fundadoras e, como coordenadora de comercialização, está cumprindo os objetivos da entidade: organização e comércio da produção do pirarucu e a consequente melhoria da qualidade de vida dos seus produtores, preservando os recursos naturais. Ela conta que as estratégias de conservação são primordiais para o sucesso do manejo implantado na região, cumprindo as regras à risca — uma das mais importantes é a permissão para a pesca somente no período entre junho e novembro, exclusivamente nas áreas protegidas, e com o cuidado de retirar no máximo 30% do total de peixes adultos.
O pirarucu de manejo: alguns podem chegar a 250 kg (foto Adriano Gambarini)
Floriana Breyer e Claudio Pádua, do Instituto IPÊ (arquivo Floriana Breyer)
Esse conhecimento chega até mim por intermédio da Floriana Breyer, minha filha ambientalista, Mestre em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável pela ESCAS-IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas). Flor tem livros publicados sobre sua paixão e dedicação à causa ambiental e está engajada em expandir a frente de bioeconomia com produtos do portfólio de pesquisas do IPÊ. Claudio Pádua, criador do Instituto, e Floriana estão em Manaus prospectando oportunidades de agregação de valor para cadeias produtivas da sociobioeconomia, entre elas o pirarucu. Floriana e eu somos sócias no Estúdio CP, onde ela é responsável pela curadoria de ingredientes de origem que regularmente trazemos para o público em formato de aulas, degustações, jantares, palestras. O pirarucu em breve fará parte desse conteúdo.
Também conhecido como bacalhau da Amazônia, o pirarucu é servido em diversos pratos típicos do Amazonas e do Pará. Um deles é o pirarucu à casaca, receita caseira que lembra o bacalhau à Brás, com ovos, cebolas, pimentões, abrasileirado com a farinha d’água, a banana da terra e o leite de coco. A comparação com o bacalhau se deve, em parte, pelas características da carne do pirarucu — firme, branca, carnuda — e pelo fato de o povo ribeirinho conservar o enorme volume do peixe seco em sal, permitindo que seja armazenado durante o defeso, período em que a pesca e a caça são proibidas. Eles mesmos, pescadores, costumam comer o peixe com açaí e com farinha d’água.
O beneficiamento do pirarucu é feito no local da pesca: limpo, eviscerado e gelado, é transportado com segurança até os mercados de consumo — desde Manaus até o Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte. O projeto de fazer presença com o peixe à mesa da gastronomia é missão da Gosto da Amazônia, uma marca coletiva que realiza a comercialização do pirarucu selvagem de manejo, onde Ana Alice está dedicada. A Gosto da Amazônia trabalha com os cortes do pirarucu: lombo, a parte mais nobre, alta e magra; a barriga, de sabor e textura característicos, com mais untuosidade da gordura, e o filé, corte tradicional de sabor marcante. A carne do pirarucu é muito versátil, aceita diversos tipos de preparo — ceviches, caldeiradas, grelhados e até pratos mais elaborados, como uma pururuca feita com a barriga. Com o propósito da preservação e da promoção do sabor e textura do peixe mais representativo da fauna de água doce brasileira, chefs de cozinha, como Felipe Schaedler, do Banzeiro, e Debora Shornik, do Caxiri, estão engajados no projeto, realizando ações e eventos onde apresentam receitas incríveis.
O meu ceviche, feito com o lombo do pirarucu, acompanhado de vinagrete de feijão manteiguinha (fotos Leticia Abdo)
Diz a lenda que o pirarucu foi um indígena forte e bravo, porém de má índole, que desafiou Tupã e os membros de sua tribo. Com um raio, foi transformado no grande peixe condenado a viver nas águas do rio. O índio se tornou um peixe generoso: todas as partes podem ser apreciadas e utilizadas. Depois da carne, as escamas são comercializadas como artesanato e estão fazendo parte de pesquisas para a produção de cimento ósseo para implantes; a língua áspera, após seca e higienizada, pode ser utilizada como ralador de alimentos e os ossos são transformados em farinha de peixe, aplicada na alimentação animal.
A pele oferece um plus: tratada através de curtimento e tinturas orgânicos, é destinada à produção de bolsas, cintos, sapatos e até objetos decorativos. É isso que Denise Gerassi vem fazendo há 10 anos com a sua marca de bolsas produzidas a partir do couro do pirarucu, que, imaginem, já foi desprezado como refugo. Tratado em criatórios regulamentados, curtido com produtos orgânicos livres de metais pesados, passou de descarte a precioso subproduto da indústria pesqueira.
Denise, que é química e farmacêutica, envolve-se pessoalmente no processo de preparo do couro do pirarucu, preocupada em obter beleza e qualidade e preservar a matéria-prima e a sustentabilidade da cadeia. Isso permite obter cores vivas, naturais, texturas diferenciadas e a originalidade das peças.
Denise Gerassi fabrica as bolsas lindas com a pele certificada do pirarucu (foto divulgação)
Eu fico feliz com meu ceviche de lombo de pirarucu e a bolsa do couro do peixe fantástico que ainda estamos por descobrir, ao compreendermos a importância de sua conservação e consumo sustentáveis.
*A palavra pirarucu vem do tupi, resultado da junção dos termos: pirá, "peixe" e urucum, "vermelho".
Ceviche amazônico, por Carla Pernambuco
Ingredientes:
150 gramas de lombo de pirarucu
150 ml de tucupi amarelo Manioca
suco de 1/2 limão Taiti
10 ml de mel
1 cebola roxa laminada
1 pimenta dedo de moça
1 pimenta de cheiro
Geleia de pimenta de cheiro Manioca
Tapioca flocada Manioca
Coentro a gosto
Pimenta do reino moída
Modo de preparo:
Faça sashimis com o peixe e reserve em uma tigela com gelo.
Fatie a cebola e as pimentas finamente.
Misture em uma tigela: o tucupi, o suco de limão, azeite, sal, mel.
Misture bem e adicione as cebolas e as pimentas. Envolva o peixe na mistura.
Ao montar o prato, use um vinagrete de feijão manteiguinha.
No prato, faça pequenas gotas de geleia de pimenta de cheiro e brotos de coentro com tapioca flocada Manioca para enfeitar.
Leila: a mesa dos sonhos e a gastronomia do conforto
O restaurante de Tânia Bulhões em sua loja conceito na Rua Colômbia, em São Paulo, dá água na boca: seja pela comida calorosa, que mescla Minas e França, seja pela beleza dos serviços de mesa, de bar, os detalhes magníficos.
É Tânia sendo Tânia, celebrando seu estilo e savoir-faire, feito de uma enorme vivência pelo mundo e sua origem mineira recheada de afeto — a mãe, Leila, é a homenageada com o nome do restaurante.
A mesa Tânia Bulhões e a gastronomia Leila: sofisticação dos detalhes e conforto da comida de origem
(foto Gui Galembeck)
O restaurante de Tânia Bulhões em sua loja conceito na Rua Colômbia, em São Paulo, dá água na boca: seja pela comida calorosa, que mescla Minas e França, seja pela beleza dos serviços de mesa, de bar, os detalhes magníficos. É Tânia sendo Tânia, celebrando seu estilo e savoir-faire, feito de uma enorme vivência pelo mundo e sua origem mineira recheada de afeto — a mãe, Leila, é a homenageada com o nome do restaurante.
Tânia sabe receber como poucos e no Leila ela exibe seu talento explorando todos os sentidos — com cores, formas, sabores, cheiros, toque. O Leila é uma ode à comida de memórias no ambiente de sonho — um tipo bistrô mineiro com ambientação provençal contemporânea. A vontade é de comer as cenas e de contemplar os pratos.
A gastronomia do Leila é feita de insumos frescos de pequenos produtores, técnicas francesas e gostin mineiro. Há a presença dos clássicos bistronomique, como filé ao poivre, terrines, linguine ao limão e camarões, e os sabores dos queijos, das carnes e das tradições do interior das Gerais. Nas entradas, há pães naturais, geleias, mandioca frita, croquetas de carne assada e uma burrata brasileira. A terrine de foie gras, produzida na casa, com geleias de figo e jabuticaba, vem acompanhada de brioche.
Geleias de jabuticaba e de figo com a terrine de foie gras: e o encanto do prato?
(foto Gui Galembeck)
Receitas de família e pratos que já se tornaram preferidos estão no cardápio entre os Clássicos do Leila. Picadinho da Tania, com molho picante, banana à milanesa, ovo frito, couve e farofa da mamãe — a mais completa tradução de receber com aconchego. A Costelinha de Porco, acompanhada de couve crispy, tutu de feijão e farofa crocante; a Galinhada Mineira, que tem quiabo grelhado e um vinagrete de capotar, e aí entram os franceses da Tania, entre eles o indefectível peixe à la belle meunière. O riz de mer, com camarões, lulas, polvo e mexilhões, está entre as sugestões do chef Pedro Franco, responsável pela cozinha desde antes de abrirem as portas.
O Leila já tem seus queridinhos: o Picadinho da Tania e o Linguini Citron são dois da lista
(fotos Gui Galembeck)
O riz de mer tem arroz caldoso com frutos do mar e o coquetel Abelha (fotos Gui Galembeck)
No bar, Chula Barmaid empresta sua alma criativa que trouxe do teatro para o balcão: ela criou uma carta de coquetéis originais e divertidos. Quase um Bellini é desses; com abacaxi, pêssego e espumante, remete ao coquetel italiano com frescor e bom-humor. O Abelha é outro: cachaça, vinho branco, mel jataí e maçã verde, é belo e delicioso, para beber de canudinho, servido em um pote de mel com a presença da abelha decorativa. A célebre coleção de aromas de Tânia Bulhões inspira alguns drinks do menu de bar — o aromático Encontro Marcado, por exemplo, que mistura Campari, vinho branco, xarope de pimenta, limão e aquafaba.
Na hora da sobremesa, escolhi um pedacinho do céu, chocolate garantido. Meu coração cheio de esperança também queria o creme brulê de goiabada cascão, que tem creme de mascarpone e um telhadinho de queijo canastra, mas fica para a próxima. O incrível carrinho de queijos chega junto e pude escolher entre os sete queijos artesanais mineiros um para matar a vontade.
Céu de Chocolate, minha sobremesa escolhida e o creme brulê de goiabada
(fotos Gui Galembeck)
Parada obrigatória, na chegada ou na saída, o mercadinho do Leila é irresistível. É a oportunidade de levar para casa as deliciosas compotas, pimentas geleias, cachaça e licores caprichados.
A lindeza das conservas do Leila (foto Gui Galembeck)
Fiquei me perguntando como fizeram para narrar toda essa incrível história de empreendedorismo destemido e inovador da marca, reconhecida pela sofisticação, qualidade e beleza, para públicos tão diversos em cenários tão complexos de consumo? Senta que lá vem história.
A ideia de oferecer ao público uma experiência notável da marca Tânia Bulhões se concretizou na criação do Leila. Esse projeto grandioso conta com a assinatura profissional de Rodrigo Malfitani, diretor de Hospitalidade do Leila, que implementou a proposta, permitindo vivenciar a experiência integral da marca em cada momento dentro do espaço. Rodrigo é especialista em gestão de pessoas e de Alimentos e Bebidas. Desde 2023, está trabalhando no novo braço de negócios do grupo desenvolvendo toda a operação — arquitetura, cardápio, equipe, refeitório, estoque.
O desafio de contemplar as etapas da experiência com itens 100% da marca, incluindo peças da histórica indústria francesa de porcelanas Limoges, que Tânia adquiriu ano passado, foi muito bem resolvido. No Leila, estão em uso 80 tipos de louças, entre os serviços de sobremesa, de mesa e de bar — cada bebida, um copo; cada prato sua louça própria. Um pot-pourri de cores e formas. Tânia, Rodrigo, Pedro, Chula e todo um time afinado e alinhado convidam para compartilhar um lugar à mesa e servir o que têm de melhor nessa experiência de bem-viver que é o Leila. Guarde seu lugar.
Filigranas doces da confeitaria de Viviane Wakuda
Um convite delicado muda o rumo da tarde na correria de Pinheiros: vamos comer uma choux na Viviane Wakuda?
Eu mesma me convidei para a pausa deliciosa: fui conhecer a casa de doces da chef-confeiteira na Joaquim Antunes
Viviane Wakuda no balcão da confeitaria com o shortcake: delicadezas — Foto: Alessandra Dias
Um convite delicado muda o rumo da tarde na correria de Pinheiros: vamos comer uma choux na Viviane Wakuda? Eu mesma me convidei para a pausa deliciosa: fui conhecer a casa de doces da chef-confeiteira na Joaquim Antunes
Vivi eu conheço e admiro desde os tempos em que, no Las Chicas da Carolina Brandão, ela nos causava esse efeito wellness ao avistá-la com as bandejas carregadas de delícias para servir o restaurante. O seu estilo ímpar, e naquele tempo ainda pouco comum na gastronomia paulistana, é inesquecível, eterno. É impossível não se render às suas choux cream, pequenas obras de arte recheadas com cremes sedosos — de baunilha, matchá, yuzu (o limãozinho japonês da culinária asiática) e outras notas que brincam entre o ácido e o adocicado. O açúcar nunca grita, dança com leveza. No cardápio da confeitaria, ela apresenta muitos sabores, entre eles uma choux missô, que dá um toque de caramelo salgado ao creme de baunilha da choux clássica; também a tiramichoux, que, bem-humorada, traz o café em caramelo, mascarpone e pirilimpimpim de cacau finalizando a gostosura.
Choux da tarde na pâtisserie da Vivi: a clássica, com recheio de baunilha — Foto: Acervo pessoal
Blueberry choux: entre as mais pedidas — Foto: Alessandra Dias
Outro destaque é o shortcake de morangos: um suspiro visual, com camadas de bolo fofo, creme aerado e as frutas que mais parecem um arranjo — e Vivi ainda completa com uma florzinha comestível. O shortcake é um bolo popular no Japão, costuma estar presente nas celebrações de datas especiais — o ichigo shortcake, pequeno bolo de morangos, é uma verdadeira febre.
Ichigo shortcake é um clássico da confeitaria yogashi — Foto: Acervo pessoal
A identidade de Viviane está baseada na pâtisserie yogashi, a confeitaria japonesa que incorpora técnicas e ingredientes ocidentais, especialmente da França e Estados Unidos, aos da tradição oriental — como matchá, yuzu e wasabi, por exemplo. Em contraste com a japonesa wagashi, focada em ingredientes e métodos tradicionais japoneses, a yogashi é mais moderna e fala com o paladar do Ocidente, feito de doces leves e com menos açúcar. A choux cream e o shortcake são o retrato desse estilo e Viviane, uma de suas mais expressivas representantes.
A vitrine onde desfilam as criações de Vivi revela seu trabalho artesanal e criativo. Tem bombons belos e delicados, chiffons fofíssimos, tortas doces elegantes e as primorosas choux cream. No cardápio, constam salgados, cafés, chás, bebidas à base dos dois, macarrons e brigadeiros. Há também a anmitsu, sobremesa servida em dias certos da semana com sorvete e mochi, o bolinho de arroz que é um anime (ou um anime que virou bolinho de arroz). A anmitsu é uma sobremesa na taça, muito popular no Japão, que combina frutas, gelatina de agar-agar e um doce de feijão azuki (anko). O passeio pela confeitaria de Vivi Wakuda perfaz uma experiência completa.
Vivi tem amor e delicadeza pelas suas criações — Foto: Alessandra Dias
Mais que uma confeitaria, seu espaço é uma pausa. Um lugar para desacelerar e encontrar beleza e suavidade nas formas e sabores. É como ela olha para os seres animados que cria, saindo do forno, entrando na vitrine. Na estante, o Maneki Neko, famoso "gato da sorte", garante fortuna e proteção.
Na trilha dos bares
O que atrai num bar? A bebida, a música, a comida, o bartender?
Lugares por SP que têm um pouco de tudo e de tudo um pouco: lá vou eu!
No Caracol: comes e bebes e muita música boa
O que atrai num bar? A bebida, a música, a comida, o bartender?
Lugares por SP que têm um pouco de tudo e de tudo um pouco: lá vou eu!
Os coquetéis são, por certo, um grande atrativo. O local, a decoração, a temática e a trilha musical compõem o clima — agradável e cool, ou agitado, dançante, ou descolado, pop. E a comida? Passou também a contar pontos e a desenhar o movimento do público na casa, aqueles que curtem a harmonia perfeita: comes e bebes no mesmo nível de prazer e qualidade.
Empresário e consultor de bares, restaurantes e afins, Alê D’Agostino tem muito a dizer sobre o sucesso de um bar. Ele é sensação no meio, com experiência de mercado, mesa e balcão, seja pelas bebidas que cria ou as que serve. APTK Spirits é a marca que criou para coquetéis engarrafados, os de sua autoria e clássicos do mundo, que fazem sucesso em lojas físicas e na venda online. Alê sustenta, em posts e declarações nas mídias, que o bar é um conjunto complexo, onde o coquetel não necessariamente é o maior atrativo do lugar. Eu vou com ele nessa linha: é preciso que o prazer de estar ali e agora seja o motivo maior.
O Banqueta investe na diversidade dos ingredientes brasileiros no copo, com uma carta de drinques autorais intitulada Raízes do Brasil, assinada pelo bartender e sócio Igor Bauer. O coquetel Sabor da Mata tem soda de cambuci e licor de coco com Gin Bombay Saphire. Odorata é outro, amadeirado e herbal, com Jack Daniel’s Gentleman, Osborne Brandy de Jerez, Amaro e Bitter de cacau com cumaru e óleo de castanha do Pará. As comidinhas acompanham: chips de banana da terra, o boneless, empanado de frango com molho picante. Criatividade e originalidade são a marca nas duas casas — uma na Vila Madalena e a primeira, em Moema, que tem a bartender Erika Mendes no balcão.
Sabor da Mata, autoral do Banqueta
Boneless: frango crocante picante no Banqueta
Mixologistas estão por trás da modernidade dos bares. O próprio termo associado aos criadores de coquetéis é novo, passou a ser usado nos anos 2000. Dry Martini, Manhattan, Negroni, Margaritas e Caipirinhas são imortais da academia, sempre procurados e garantia de público. A inovação vem com o destaque que os profissionais alcançaram ao desenvolver técnicas avançadas de coquetelaria, criando drinques personalizados, ingredientes, novos elementos — xaropes, chás e infusões, bitters. Bento Lautert é dessa turma: um mixologista jovem e vibrante de ideias. Interessado pelas harmonizações, ele assina a nova carta com sete drinques autorais no Carlota, integrando elementos da culinária do restaurante com a coquetelaria.
Steak Tartare e fritas no listening-bar
Os tacos com bochecha de porco do Caracol
A onda é buena. Comida e bebida são um plus no Caracol, que, nas baladas sensacionais que produz, ainda serve menus na mesma altura. O Caracol nasceu na Santa Cecília e há um ano e pouco se mudou para a Barra Funda. Ali estabeleceu com a vizinhança a sua energia sonora de respeito: é som noite adentro e público calçada afora. Os equipamentos importados das discos nova-iorquinas e o line-up eclético e precioso dos DJs asseguram aos frequentadores o melhor para dançar, escutar, curtir na paz, em grupos ou solo. Tudo invenção do DJ e produtor musical Millos Kaiser, fundador do Caracol. A função começa às 19 horas nas quartas; domingos têm matinés — das quatro da tarde às 10 da noite. Na semana, quarta e quinta foram os dias eleitos pelos clientes para aproveitar a gastronomia e toda a experiência sonora da casa, essência do seu estilo, listening-bar. Imperdíveis o steak tartare com azeite de pimentão, gema, aliche e páprica defumada, pareado com fritas; o trio de tacos com bochecha de porco, picles de cebola e coentro e um bolovo de alheira, sequinho, o ovo empanado na alheira, com aioli. Pode pedir drinques e coquetéis, como o Hanah Montana, que vem, sem álcool, com água de coco, xarope de cranberry, limão e espuma de aquafaba. Com álcool, ele se chama Purple Haze, com vodka, Cointreau e clara de ovo.
A música também faz do Rabo di Galo, no Rosewood, uma atração na cena da noite em SP. Jovens talentos da MPB interpretam clássicos internacionais, bossas e jazz, enquanto experimento as margaritas e martinis — acho que ouvi Frank Sinatra cantarolando “One more for the road” agora há pouco...
No Rabo di Galo, elegância nos drinques e na música
Sabores do Peru
Com sorriso largo e um charmoso sotaque, a chef Marisabel Woodman deixa claro que, mesmo após mais de 10 anos em São Paulo, sua alma segue conectada à sua origem na costa peruana. Ela deixa essa marca ainda mais evidente na nova empreitada, o Mares de La Peruana, inaugurado em março em Pinheiros.
Mario Vargas Llosa, em 2016, um jantar para o escritor no Estúdio CP (acervo pessoal)
O Peru é trend constante no mundo — viagens, gastronomia, literatura. Nesses dias, o peruano Mario Vargas Llosa nos deixou. Escritor, jornalista e político, Vargas Llosa foi um dos mais importantes romancistas e ensaístas latino-americanos, grande escritor mundial. A notícia me recordou dois jantares em que cozinhei para ele no meu Estúdio CP, anos atrás, quando do lançamento de um de seus livros no Brasil. Cozinha brasileira em um, clássica em outro, o homem elegante e culto, impressionante na firmeza e gentileza com que se expressa, teceu elogios à comida que saboreou. Eu, admiradora e leitora, guardo a lembrança com saudades do Peru, terra bela e rústica, de gente amável, onde estive algumas vezes recebida pelos abraços da saudosa banqueteira Marisa Guiulfo. Para esse povo bravo e caloroso, um tiradito dos sabores do Peru na São Paulo, com a chef Marisabel Woodman.
Do mar ao prato: memórias e sabores de Marisabel Woodman
A chef peruana em frente a seu novo restaurante, o Mares (foto Thays Bittar)
Com sorriso largo e um charmoso sotaque, a chef Marisabel Woodman deixa claro que, mesmo após mais de 10 anos em São Paulo, sua alma segue conectada à sua origem na costa peruana. Ela deixa essa marca ainda mais evidente na nova empreitada, o Mares de La Peruana, inaugurado em março em Pinheiros.
Criada à beira-mar em Piúra, pequena cidade cujo nome em quéchua significa abundância, e inspirada por viagens que fez às praias do mundo, Marisabel explora as próprias memórias e as traduz em criações originais e genuínas no Mares.
O ambiente é solar, repleto de plantas e tons pastéis, texturas de palha e madeira, que criam um refúgio acolhedor no burburinho da cidade. Da cozinha, peixes e frutos do mar unem o frescor da costa à intensidade dos temperos peruanos e aos perfumes da brasa, do forno Josper (uma espécie de forno-parrilla), transportando os convivas diretamente para a paisagem marinha de Piúra, no Pacífico. Foi lá que Mari cresceu, entre redes de pesca e tardes em cevicherias praianas, ao lado da mãe e da avó.
Mas o Mares é mais do que um tributo às suas origens: é a versão madura da chef, um reflexo das experiências que acumulou pelo mundo e pela vida. “O Mares é onde posso criar com liberdade, sem a necessidade de representar fielmente a cozinha peruana, mas sim, minha bagagem”, conta Mari. Desde 2012 no Brasil, ela iniciou com sua cozinha em feirinhas, em food truck e depois no restaurante próprio, La Peruana, nos Jardins, que segue movimentado. Na nova casa, o espírito livre se faz sentir: não se surpreenda ao encontrar no cardápio combinações como camarão com molho de sriracha e chimichurri ou lulas com basílico — vá em frente!
Ceviche Colán: rico em texturas e sabor (foto Carla Pernambuco)
Vieiras a parmesana: clássico peruano reinterpretado (foto Thays Bittar)
Na visita recente que fiz ao restaurante, encantou o ceviche Colán, a deliciosa receita clássica peruana de Vieiras a parmesana, em que Marisabel criou uma espuma de parmesão, o arroz caldoso de mariscos e o polvo com cozimento perfeito, finalizado na brasa do Josper. Para encerrar o jantar, o Tres Leches, úmido e perfumado — bolo clássico da culinária das américas Central e Latina.
Arroz de mar: suculento com mariscos na brasa (foto Thays Bittar)
“Quis que cada prato refletisse minha história”, explica Mari. Com passagens pela Europa e Ásia, ela desenvolveu o menu para espelhar toda essa bagagem, sempre com um toque de suas raízes.
Marisabel no Mares (foto Thays Bittar)
A jornada de Mari no Brasil começou como tantas outras histórias de imigrantes: por amor. No Peru, ainda estudante, conheceu seu companheiro, o brasileiro Roni. Juntos partiram para a França, onde ela pode realizar o sonho de estudar Gastronomia na renomada Ferrandi, em Paris. No Brasil, em 2015 inaugurou o La Peruana, que coleciona prêmios e reconhecimento, incluindo o prestigiado selo Bib Gourmand do Guia Michelin. O novo Mares de la Peruana sintetiza toda a vivência da chef, diversa e profunda, sem tirar os pés das águas de onde emergem seus sabores.
FRESTA
Carol Albuquerque é uma renomada chef de cozinha e proprietária do Fresta, um restaurante que se destaca pela sua proposta de valorizar ingredientes locais e sazonais. Com uma abordagem criativa e sustentável, Carol transforma pratos tradicionais em experiências gastronômicas únicas, unindo técnicas contemporâneas à rica cultura brasileira.
Carol Albuquerque convida a entrar no Fresta.
Carol: autora de uma cozinha original e vibrante no Fresta (foto Letícia Remião)
Eu fui. Nem deu pra chegar na sobremesa, mas já sabia que teria que voltar.
O nome Fresta diz o que é preciso saber para ir até lá espiar — uma fresta sob o toldo cor de vinho na Simão Álvares, em Pinheiros. Depois, cumprido o vouyerismo gastronômico, entrar e ficar. E voltar. Muitas vezes.
Com um drinque, abri os trabalhos: uma noite calorosa de afeto com a Carol Albuquerque comandando o balcão e o que iríamos comer. Escolhi as bebidas, entre vinhos e drinques, e dei a largada com um daiquiri de rum Havana envelhecido 7 anos. De capotar.
O Daiquiri no Fresta: drink da largada (foto Letícia Remião)
O Fresta poderia estar em qualquer lugar do planeta, por sorte é aqui. A Carol já viveu em muitos países e cidades, e por escolha está aqui. Criando raízes e uma família, criou também o bar-restaurante com uma proposta acolhedora e original. Sua cozinha é vibrante, delicada e bem desenhada, sem excesso de processos e com muitas camadas de sabor. Como ela: simples e culta, viajada, leve e corajosa. Ela divide com o marido, um sorridente Willem, nascido belga, o negócio e as criações — a cozinha, a vida, o filhote, coisa mais linda.
Há a parceria com duas sócias, além do marido, que dão bossa musical à casa. Há a presença de Gabriela Monteleone nos vinhos, e Willem também na curadoria das cervejas de sua terra natal. Mas é Carol a autora da obra, da identidade do Fresta, da comida que vem do bar e da cozinha, da ideia de, por uma fresta, mostrar o infinito criativo de seu universo gastronômico.
A festa começa com caldinho de siri! Parece que estamos no melhor boteco baiano, em frente ao mar. E os ovinhos de codorna, hein? São um signature dish viajado: foi ao Japão e voltou pra Pinheiros — cremosos e com delicioso caldinho de cebolinha e amendoim. A salada grelhada com farofita crocante tem molho de castanha de caju que faz a composição ficar sublime. E aí vem a lula, feita na brasa com jamon e gergelim — um match perfeito. Falei em originalidade, não foi?
O caldinho de siri e eu já me achei na Bahia (foto Letícia Remião)
Os ovinhos com cebolinha e amendoim (foto Letícia Remião)
Também viajamos com o peixe do dia, lindamente grelhado sobre uma cama suculenta de kale e tomate confit. E provamos a pancetta em brodo oriental, o caldo trabalhado nas especiarias, com legumes crocantes.
A pancetta no caldinho oriental com legumes (foto Letícia Remião)
Toda essa energia, o clima despojado e os sabores sofisticados estão presentes na casa. Se por uma fresta é assim, pense como deve ser portas e braços abertos, o espírito bravo e gentil de Carol, essa mulher que é vencedora muito antes de começar a espiar os desafios da cozinha em sua imaginação e vencê-los, um a um, colecionando prêmios e vitórias. Como se fosse a própria vida — afinal, o que aparece por uma fresta, existe em quantidade por dentro.
Kanashiro é Kureiji e Kureiji é essa deliciosa loucura:a culinária japonesa universal
O novo restaurante do chef é a expressão de sua louca paixão pela universalidade dos sabores, misturando Japão, Brasil e sua própria história.
O novo restaurante do chef é a expressão de sua louca paixão pela universalidade dos sabores, misturando Japão, Brasil e sua própria história.
O chef Adriano Kanashiro no seu Kureiji (foto Neuton Araújo)
Adriano Kanashiro está dando um show de vitalidade criativa no seu novíssimo Kureiji, restaurante inaugurado no início do ano nos Jardins, em São Paulo. Kureiji é como se diz em japonês a palavra em inglês crazy. A vibe de Kanashiro é essa, louca por experimentar, mostrar, contar com o gosto de cada item as histórias e aventuras que viveu — e aquelas que é possível viver! Foram quase 10 anos fora do Brasil, trabalhando na África no comando de restaurantes em Gana, depois de nos encantar por aqui com suas casas Momotaro, Kinu, no Hyatt, e o restaurante com seu nome. Sansei paranaense, seus avós imigrantes de Okinawa e os pais donos de bar em Londrina por certo estão orgulhosos da fascinante jornada que o chef vem construindo com sua culinária japonesa universal — como ele, marcada pela experiência, técnica e ousadia.
Eu tenho um apreço especial pela audácia de gente como AK, sejam personagens de quaisquer áreas: da música, da moda, do design, da gastronomia. E só sendo muito autêntico — e kureiji — para elaborar um menu intrigante e equilibrado, como ele faz, mesclando as culturas orientais e ocidentais. Pratos como o kuro ebi tempura, tempurá negro de camarão com molho ganense, cítrico e levemente apimentado, ou o kon ribu, espiga de milho grelhada com missô e pó de kimchi são fascinantes. E a brasilidade que ele sinaliza nas preparações revela todo esse talento. O shari (arroz do sushi) do restaurante é preparado com dois tipos de arrozes: o japonês e o miniarroz da Ruzene, brasileiríssimo, cultivado no Vale do Paraíba. E ainda tem um toquinho de tucupi! Outro prato que brinca com essa mistura e dá muito certo é a barriga de porco feita em teriyaki de jambu. Adriano Kanashiro tem um senso de humor do tamanho de sua genialidade!
Tempurá negro de camarão com molho ganense (foto Neuton Araújo)
As sobremesas são privilegiadas pela combinação elegante que Ak promove. Amei o mochi chokoreto, o mochi de chocolate com banana e gotas de chocolate rubi, cor de rosa, com calda de gergelim preto — é servido com sorvete de matcha e pistache, imagine as cores. A carta de bebidas apresenta uma interessante seleção de saquês e belos coquetéis, que são assinados por Ricardo Barrero. Para combinar com os pratos, há sugestões de harmonizações - a visita à casa fica ainda mais interessante, entregue-se à experiência. Com ou sem álcool, há opções como o matcha sour, drinque que combina o matcha verde com cachaça, suco de yuzu e xarope de açúcar. Ou uma versão do Bloody Mary que tem kimchi.
O chokoreto é um mochi de chocolate e banana (foto Neuton Araújo)
Matcha Sauer, drinque da carta assinada por Ricardo Barrero (foto Neuton Araújo)
No pequeno Kureiji — são 30 lugares e parte deles no balcão — há tempo e espaço para tudo. Minimal e colorido, o restaurante oferece um ambiente afável e claro, com obras de arte do Japão, de Gana e cerâmicas de Hideko Honma no serviço e na decoração. Tudo leva a crer que a tradição abre alas à criatividade quando há ciência e sensibilidade. Kanashiro sempre teve. Ele retorna à SP mais vivido em culturas e sabores que adicionou à culinária japonesa de seu dna, e somos nós os sortudos de tê-lo de volta à nossa cada vez mais rica cena gastronômica.
Arte do Japão e cerâmicas de Hideko Honma (foto Neuton Araújo)
A ARTE E OS PODERES DE CAFIRA
Cafira Foz concentra um de seus poderes no que carrega para dentro de si e transforma — e a comida é só um dos itens que ela exterioriza em arte.
Cafira Foz concentra um de seus poderes no que carrega para dentro de si e transforma — e a comida é só um dos itens que ela exterioriza em arte.
O nome é esse mesmo, sonoro e original, com origem na mitologia grega (Kaphira), “filha de um titã, Oceano”. A Cafira da cidade encontra na paisagem urbana o lugar onde extravasa sua força criativa: a de congregar o melhor de cada ser que encontra em sua jornada e que ela abriga sob as asas abençoadas de sua marca, que também é seu nome — Fitó, apelido de infância.
A chef Cafira Foz no Fitó Contemporânea, na Pinacoteca de SP (foto Marília Princy)
Esse raciocínio circular que desenrolei, usando seu nome para chegar mais perto de descrever a potência dessa mulher, passa também pelos movimentos que ela faz — do Ceará de nascença ao Piauí de criação, de Paris para o mundo, de uma casa branca e azul em Pinheiros para o centro colorido da arte e da história na cidade, a Pinacoteca de São Paulo, com o FitóContemporânea, onde acaba de chegar. Tudo dela culmina na inventiva identidade que está erguendo para a cozinha brasileira, curada na arte, na moda, fermentada na ousadia e sensibilidade. Fitó já foi notícia no New York Times e faz parte da categoria Bib Gourmand 2024 do Guia Michelin, pela ótima relação qualidade-preço que oferece — e isso antes de inaugurar o Fitó Pina, ora vejam só.
Cafira é do time de mulheres que alimenta a cultura do Brasil sem fronteiras e passa por elas carregando o que lhe faz sentido. Seja a decoração do seu Fitó em Pinheiros, feito em cimento e artesanato — ladrilhos hidráulicos no balcão, luminária em palha no teto, feita pelo pai —, sejam os pratos elaborados com misturas de nacionalidades, técnicas, arrojo e tradição. Com carne de sol, manteiga de garrafa, castanhas, farofas, pimentas, histórias, gentes e uma sagaz intuição, ela compõe experiências do Norte, do Nordeste e do mundo servindo uma comida contemporânea, casual e provocante.
Curiosidade e vigor vêm à mesa no prato Maria Isabel de Cordeiro, por exemplo, uma tradição piauiense cuja explicação — ou folclore — deixa a comida ainda mais saborosa. No Fitó Contemporânea, o prato traz um arroz pregado feito com cordeiro de sol, aioli de hortelã com cítricos e mais uma cenoura avinagrada. Delicioso! O nome diz-se que é da autora (ou de suas duas filhas, Maria e Isabel) para o arroz pregado e a salvação da comida das mulheres. Uma solução genial para alimentar as mulheres em casa, que comiam depois dos homens. Ao chegarem das vaquejadas, eles se serviam com fome e pressa e acabavam com toda a carne de sol. As mulheres então resolveram picar a carne todinha e misturar ao arroz em panelas de ferro grossas, deixando uma camada “queimada” no fundo, o famoso pregado. Na receita do Fitó Pina, Maria Isabel ganhou o sobrenome Cordeiro, que é a carne utilizada e curada ao sol que vai no prato. Escolhi esse como principal.
Arroz pregado de Maria Isabel de Cordeiro, o título para a história e receita piauienses deliciosas (foto Murilo Yamanaka)
Das entradas, o atum e graviola, que é um crudo do peixe com leite de tigre feito com a graviola, acompanhado de farofa de castanhas, coentro e pimenta de cheiro, é um queridinho — meu, com certeza! Fica tudo bem: fresco, leve. Ah! Com um drinque para combinar, é só alegria. Vixi, Maxixe, veja você, é perfeito: a tacinha límpida e gelada fala da riqueza dos nossos frutos da terra, com uma aguardente de cana vermelha, tomilho e mel, e clarificado no iogurte grego. Os drinques são obra da mixologista Renata Adoración com a chefe de bar Suellen Martins.
Crudo de atum e graviola: frescor (foto Murilo Yamanaka)
O drinque: Vixi, Maxixe! (foto Marília Princy)
No Fitó Contemporânea, o menu é criado em dupla com o chef Mario Panezo. É no compartilhamento de talentos que Cafira expressa o seu. Ela diz que sua verdadeira obra é cada vez mais orquestrar as operações criativas, com parcerias de artistas em áreas diversas, formando um verdadeiro espetáculo.
O Fitó Contemporânea está instalado na Pina Contemporânea, espaço de exposições que se integra à Pina Luz e à Pina Estação, formando um complexo que está entre os maiores da América Latina. Uma visita que não pode faltar — e falo do todo. O restaurante é lindo, iluminado, tem projeto arquitetônico de Lucas Durães e João Pedro Facury, que carrega o clima do modernismo tropical, em meio ao verde do Parque da Luz, o concreto e o mobiliário moderno, esse, com sofás de lonas de caminhão de algodão encerado e cadeiras minimalistas de aço. É um show de brasilidade: quem diz é ela, a Fitó.
As frutas, os doces e a arte de Kafe no Manga, em Salvador.
A chef Katrin Bassi tem quatro filhos pequenos, naturalidade alemã, um restaurante de cozinha autoral com o marido, Dante, na Bahia, e um sorriso tão largo e verdadeiro como o seu talento. Só para dizer o mínimo que transparece na foto, quando ela e Dante dizem gizzzz para a câmera, segurando a criançada sobre a mesa.
A chef Katrin Bassi tem quatro filhos pequenos, naturalidade alemã, um restaurante de cozinha autoral com o marido, Dante, na Bahia, e um sorriso tão largo e verdadeiro como o seu talento. Só para dizer o mínimo que transparece na foto, quando ela e Dante dizem gizzzz para a câmera, segurando a criançada sobre a mesa.
A família Bassi: Dante, Kafe e os filhos (foto Leonardo Freire)
Depois de percorrer a Europa estudando, trabalhando, aprendendo e cozinhando, Kafe, como Katrin é chamada, e Dante escolheram o Brasil para criar raízes e fundar o Manga, restaurante de alta gastronomia que é um sucesso, instalado no Rio Vermelho, em Salvador, no em um acolhedor casarão na cor da manga-rosa.
Fachada do Manga
o salão do restaurante (foto Leonardo Freire)
Katrin iniciou sua carreira no Hilton em Munique e passou por restaurantes estrelados na Alemanha, como o Steinheuer´s Restaurant zur Alten Post, em Colônia; na Suíça, no Stuebli, e no Brasil, no D.O.M. de Alex Atala. Foi lá que ela conheceu o chef Dante Bassi. Os dois viajaram juntos e prosseguiram suas carreiras em passagens por mais restaurantes europeus, até decidirem dar início ao sonho de ter o próprio restaurante e formar a família — a Bahia foi a terra escolhida. No Manga eles se dividem: Dante é responsável pelos pratos e pela excelente charcutaria que desenvolve; Kafe é a autora dos pães e sobremesas. É aí que me refiro: a chef faz maravilhas com enorme inventividade, paixão pelas frutas e frutos nativos e pouco, pouco açúcar.
A charcutaria de excelência de Dante no Manga (foto Leonardo Freire)
“Acho impressionante a variedade e qualidade das frutas aqui no Brasil”, ela conta. Com esse olhar e talento, Kafe cria preciosidades em beleza e sabor para as sobremesas do Manga. Ela acrescenta o detalhe fundamental: “As frutas quase sempre são muito aromáticas e quando maduras possuem tanta doçura que basta adicionar pouquíssimo açúcar”. É a diferença!
Como a Pinha, por exemplo, feita da fruta com mousse de iogurte, bolo de castanha do Pará e casquinha de chocolate com erva cidreira, artisticamente trabalhada na forma e tons verdes da fruta.
Pinha: sobremesa na forma, cores e sabores da fruta (foto Leonardo Freire)
Cacau, título de outra beleza das sobremesas, é feita de mousse de cacau, ganache de café com nibs, gel de mel de cacau e chocolate branco, em harmoniosa apresentação dentro do próprio fruto.
Cacau: com ganache de café, uma alegoria aos valiosos frutos do Brasil (foto Leonardo Freire)
Celebrando a herança germânica, a chef traz para uma das sobremesas do menu degustação atual um sorvete de cupuaçu fermentado com folhas crocantes e calda de chocolate amargo — sobre ele, um vermelho creme de kirsch, aguardente de cereja que o pai produz artesanalmente na Alemanha. É a sua floresta negra, a clássica torta com chocolate e cerejas, interpretada com a brasilidade que habita a diversidade criativa da chef.
A floresta multicultural de Kafe tem kirsch (foto Leonardo Freire)
Kafe é alegre, atenciosa, explica o assunto com detalhes quando é indagada. “Minhas sobremesas quase sempre são desenvolvidas a partir de alguma fruta que consegui na feira”, diz a chef, emendando que seguidamente encontra algo novo que não conhecia. O que ela faz é pura arte, redescobrindo o Brasil e seu patrimônio de sabores, como muitos de seus conterrâneos no passado já fizeram — artistas alemães que representaram a natureza e paisagens da terra brasilis. Aqui ela prova e comprova, em suas interpretações, a riqueza que o intercâmbio cultural promove. Tem mais: no sétimo dia, ela criou os picolés!
A chef Katrin e seus picolés (foto Leonardo Freire)
Essa ideia tão original quanto linda e deliciosíssima, aconteceu porque Kafe queria “levar” sobremesas para o bar do Manga — o belo cenário, no térreo, onde desfilam os drinques criados exclusivamente para a casa, com assinatura do barman Jean Ponce, do Guarita, em SP. Então, com palitos e as necessárias adequações, ela transformou algumas das sobremesas em picolés. Durante o isolamento, na pandemia, os picolés serviram como mais um atrativo para o take-away, e a produção cresceu. O cardápio atualmente oferece 10 opções, entre elas, jambo com castanha, mangostão, caju, que tem sorvete de castanha de caju com gel de caju e casquinha de chocolate. A finalização, quando chega à mesa, é de uma plasticidade que encanta.
Não falei que é arte?
A sobremesa sorvete de caju: pura arte brasileira (foto Leonardo Freire)
Por elas, café para todos
O café sempre oferece algo a mais, além da bebida prazerosa que é. É sobre descobertas e aprendizados
O café sempre oferece algo a mais, além da bebida prazerosa que é. É sobre descobertas e aprendizados
Chegando ao Café por Elas pelo aroma e a fachada na Barão de Tatuí (foto João Fenerich)
Esse universo particular onde convivem o café e a singularidade feminina foi criado POR ELAS a partir do exemplo de vida da mãe, Abadia. Uma história onde não falta dedicação e entrega. Abadia Helena é descendente de família mineira ligada à terra, ao cultivo agrícola. A mãe das meninas planejou retornar à vida rural, depois de cumprir a criação das filhas na cidade, e, com o marido, adquiriu a fazenda São Luiz em Dourado (SP). Lá iniciou a produção de cafés. Nadia e Julia, as duas advogadas envolvidas em suas carreiras ascendentes no Direito, passaram a fazer parte do empreendimento. Essa paixão que o café não anuncia, mas a gente sabe que vai rolar e é impossível resistir.
O bao de açaí: burguer praieiro (foto Kato)
Em 2018, já colhiam resultados com seus cafés especiais e iniciaram a torra dos grãos na fazenda. O café da São Luiz é o Abadia, justa homenagem àquela que inspira as filhas e tanta gente que a conhece. “Uma mulher visionária, com raízes na terra e a mente no infinito”, recita para mim Nadia, a idealizadora do POR ELAS. A genética empreendedora é admirável. Julia é curiosa, inquieta e antenada — na operação dos negócios, encontra e aplica as melhores soluções para a melhoria dos processos. Quem diz isso é a irmã, por sua vez definida por Julia como “criativa e equilibrada”. A união é mais que fraterna entre essas duas, começa pela mãe: todas se admiram e respeitam. Elas estenderam esse laço para o próprio business e convidaram mulheres produtoras a fazer parte do POR ELAS, expandindo a seleção, torra e comercialização dos cafés POR ELAS no mercado.
A cada safra, um dos grãos é escolhido para destacar o espresso POR ELAS (foto João Fenerich)
A marca desenvolve seu portfólio procurando manter em média seis cafés em linha — um de entrada, um dedicado ao método espresso, um certificado orgânico, dois microlotes sazonais com perfis exóticos, provocando novas experiências. São cerca de 25 produtoras que fazem parte desse mix com os cafés especiais que cultivam, todos acima de 80 pontos segundo os critérios de avaliação internacional da SCA — Specialty Coffee Association. Na minha visita, provei o aromático Arara da produtora Carol Alckmin, levei para o Carlota um grão potente produzido em Caconde (SP) para o espresso.
Provas do dia no portfolio POR ELAS (arquivo pessoal)
Fazer negócios com elas é suave e alegre, muito objetivo. Julia diz que percebe mais diálogo e constrói relações mais fortes com as mulheres produtoras — e mesmo compradoras, como eu, entre marcas como Mani, Botanikafe, a livraria Gato sem Rabo. As mulheres, segundo elas, estudam mais, são mais conectadas ao entorno, o que faz da sustentabilidade um tema legítimo e cotidiano, e se mostram mais colaborativas. No POR ELAS, os serviços são de consultoria, compra de equipamentos, treinamento de equipe, elaboração de carta de cafés.
Enquanto isso, na Fazenda São Luiz, as três iniciam um projeto de manejo agroflorestal, propondo a cafeicultura regenerativa como cultivo sustentável e, ainda, como uma retribuição e homenagem à mãe, Abadia, cuja visão de futuro inspirou as irmãs e sócias. Saber equilibrar os atributos femininos nos negócios é uma arte essencial, ainda mais quando o assunto é sensorial e essencial como o café.
Todo dia é dia de peixe no Sororoca
O Sororoca é obra dos chefs camaradas Marcelo Corrêa Bastos, Thiago Castanho e Gustavo Rodrigues, experientes na cozinha brasileira, que nesse projeto conjunto buscam valorizar a diversidade de nossos peixes e frutos do mar. Conseguiram!
Em São Paulo, aquela conversa de “peixe do dia” é levada à risca no Sororoca Bar. Carapau, xaréu, filhote, pescada e a própria sororoca são parte da rica fauna que colore as águas doces e salgadas do país — e preenchem com frescor o menu da casa. O Sororoca é obra dos chefs camaradas Marcelo Corrêa Bastos, Thiago Castanho e Gustavo Rodrigues, experientes na cozinha brasileira, que nesse projeto conjunto buscam valorizar a diversidade de nossos peixes e frutos do mar. Conseguiram!
O trio: Thiago, Marcelo e Gustavo (foto Kato)
Os pescados vêm do Atlântico e da Amazônia fresquíssimos. Na parede, as plaquinhas em giz anunciam a bateria de atrações do dia trazidas das águas. No papel, o cardápio diz que a vida com peixes é assim — crus, fritos, assados, grelhados — e tem acompanhamentos brejeiros: pirão de peixe, cuscuz de farinha d’água, pasteizinhos de pupunha e tucupi, arrozes, cogumelos, molhos de tucupi e de moqueca. Entradas frias, quentes, pode ser um guioza de camarão com tucupi, pode ser um caldinho do pescado, ostras no vapor, um crudo de peixe com geminha e conserva de cogumelos, ceviche, vinagrete de polvo. E a isca infalível (não há quem veja sem provar): um bao de açaí com peixe frito, aioli, chilli doce e picles de chuchu, um burguer ousado e irrepreensível!
O bao de açaí: burguer praieiro (foto Kato)
Na mesa, compartilhar é vida. Tudo pode ser de todo mundo, se a turma for grande, ou só para um, se o apetite for maior. Peixes saídos da brasa crocantes, carnudos e molhadinhos, ladeados pelas pimentas, molhos e pirão, formam uma cena de ensolarada beleza.
Refeição compartilhada: cena iluminada (foto Kato)
Para abrir a conversa e o apetite, os drinques e a carta de vinhos são do mesmo mood sem frescura da comida. Na calçada de Pinheiros, as caipirinhas e batidinhas emulam a praia: limões, caju, frutas do dia e exóticas (para quem não conhece graviola e seriguela, por exemplo), os clássicos rabo de galo, com cachaça, vermute e limão caiçara, e o de peixe, com cachaça, vermute e laranja. Daniela Bravin e Cássia Campos assinam a original proposta de vinhos, levando as garrafas para a areia — separados pela temática sal, sol e areia, espumantes e tranquilos coloridos, do branco ao rosé e laranja, com a possibilidade de tinto, de mares mediterrâneos, atlânticos e nacionalidades diversas onde as sommelières passeiam com passos firmes e curiosos.
Pense em um lugar delicioso, descomplicado como um dia de praia, com caipirinha, drinques gelados, comida boa e petiscos compartilhados entre amigos. Sororoca vai virar sinônimo desse astral, quer ver? Conte para uma amiga que ontem o dia foi feliz, gostoso, maior astral, em uma palavra só — é sororoca!
Férias em SP e um único destino: Rosewood na Cidade Matarazzo
Um paraíso de arte, cultura, arquitetura e excelente gastronomia no coração da cidade, entre o pulsar da Avenida Paulista e a paz arvorada da Alameda Rio Claro. O Rosewood faz jus aos meus argumentos para ficar em SP nas férias e não correr por estradas e aeroportos lotados.
Um paraíso de arte, cultura, arquitetura e excelente gastronomia no coração da cidade, entre o pulsar da Avenida Paulista e a paz arvorada da Alameda Rio Claro. O Rosewood faz jus aos meus argumentos para ficar em SP nas férias e não correr por estradas e aeroportos lotados. Posso viver uma temporada imersa entre todas as atrações do lugar, quer ver?
Arte por tudo: o cardápio do Blaise
Os restaurantes são quatro, estreei com o jantar no Blaise. O nome traz para a cena o modernista franco-suíço Blaise Cendars, escritor e poeta que esteve no Brasil nos fervilhantes anos 1920 junto àquela famosa turma de artistas. Nas paredes, azulejos com a arte palpitante de Fernando de La Rocque, que sacoleja o apetite entre o desejo e a curiosidade. O Blaise é uma brasserie moldada na cozinha francesa clássica com a contemporaneidade que permite mesclar ingredientes brasileiros e resultar em sabores incríveis. Trabalho impecável do chef Fernando Bouzan. Um clima comfy: com o frango ao jus porcini, me senti numa cabana nas montanhas, provando um frango assado de família.
No Blaise, o frango orgânico assado, com porcini e ervas na caçarola
Ao mesmo tempo, a ousadia das vieiras grelhadas e do crudo de atum trouxeram um toque sofisticado e refrescante ao jantar. Nada da cabana na neve, mas o agito cultural e fancy do Mediterrâneo, como quem vai à praia carregando um livro e a canga chic em tons do mar. Os livros estão por toda parte no Rosewood, dos quartos — que também têm instrumentos musicais, cafeteiras e gadgets para fazer drinques — aos corredores e mesmo os restaurantes. Enquanto estive por lá, aproveitei para folhear as páginas de literatura do mundo e de livros lindos de arte brasileira.
Vieiras grelhadas e legumes tostados
O crudo de atum e, ao alcance da mão, literatura e arte
Depois, caminhando, fui ver corações, esse órgão que ultrapassa minha imaginação e fascínio. Francisca Botelho é a autora da bela e comovente exposição “Amor Protege e Cura”, onde expõe corações com suas cicatrizes, dores e delícias. Francisca é joalheira, ourives, uma artista intuitiva, como ela diz, e seu propósito de fé e arte enche as paredes restauradas do Rosewood com obras que contam histórias de amor. Sobre páginas de livros, sobre Camões e o seu Amor é fogo que arde sem se ver estão os corações folhados em ouro, vascularizados em pedras preciosas — nossos corações estão ali. Nosso Amor, Amando Amar, Cura são alguns dos títulos das peças. Foi na luxuosa companhia da amiga Francisca Botelho que compartilhei a refeição, risadas e afeto. As peças e os famosos escapulários da artista estão à venda na loja do hotel.
Cura é essa obra de Francisca Botelho
Ouro sobre as palavras no dicionário em exposição no Rosewood
A noite andou feliz com a programação e meu coração que não cansa de ter esperança encontrou aconchego e surpresas — quem não ama?
A felicidade ficou completa com a sobremesa da Saiko Izawa: uma sagração! A jabuticaba em três versos é a homenagem da chef-confeiteira à fruta que ela conheceu no Brasil, subindo na árvore para chupar. Eu, subindo aos céus com tanta delicadeza.
A jabuticaba em três versos de Saiko Isawa
Seguindo a rota dos restaurantes no Rosewood, o Taraz também dá show: uma trip pela America Latina com o inventivo chef Felipe Bronze conduzindo a viagem e as brasas de um fogo que ele domina de forma sublime. É um festival de carnes, pescados, legumes assados entremeado com crus de personalidade sudamericana para compartilhar. No cardápio, fica a dica do grafite gritante: Só a antropofagia nos une!
Para o Le Jardin, descontraído café-restaurante com mesas dentro e fora, onde está um jardim encantador, guardei a próxima visita. Atravessando o salão, encontrei as cortinas que conduzem ao bar e aí, (mais) uma viagem.
O teto lisérgico, espelhos e efeitos, drinques e coquetéis do mundo, a sofisticação de um ambiente que nos transporta a uma jam entre os anos 1920 e 30, pode parecer uma definição confusa para o Rabo di Galo, o bar do Rosewood, mas é o mix de sensações que deixa o queixo caído ao entrar no espaço. E a boca aberta: na carta, a impressionante coquetelaria! Não é à toa que o Rabo di Galo é descrito como a joia oculta da mixologia... é como encontrar o Graal. Para completar, música ao vivo, jovem, elegante e ultra chic.
A minha alegria de criança no parque foi ao máximo com o presente-surpresa do marido: um dia no Spa Guerlain, com os melhores aromas e massagens!
Enquanto desfilo dentro dessa cidade, uma dança fluida e elegante se desenrola invisível para que tudo aconteça — o treinamento do staff é impressionante. A recepção é precisa e friendly, em cada cantinho tem um arranjo de flores, uma estampa única, arte na parede, música no ar, uma delicadeza inesperada que convida os sentidos. Um arrebatamento de exposição de arte com aconchego de casa.
A promessa de recuperar o magnífico complexo de prédios históricos que compunham o Hospital Matarazzo foi cumprida com louvor pelo grupo francês Allard, quem assumiu o projeto Rosewood São Paulo. A frondosa Torre Mata Atlântica ergue-se com seus jardins verticais e juntamente com a Maternidade Matarazzo reúnem as luxuosas suítes de hospedagem seis estrelas. A centenária Capela Santa Luzia, restaurada, revive a história de muitas famílias paulistanas, originárias de imigrantes italianos, cujos descendentes nasceram e foram batizados no pequeno santuário. A Casa Bradesco, espaço de arte e espetáculos, ainda em expansão, já inaugurou sua primeira fase com Anish Kapoor (até 9 de março), mais um prédio da Cidade Matarazzo que compõe o complexo imponente. Ali está, também, a Livraria Paisagem, focada em títulos raros e premium, destaques na moda, fotografia, cinema e todas as artes.
Passeando nesse universo Rosewood, minhas férias não acabam nunca.
DAMA espalha pela cidade a elegância saborosa de seus doces
Daniela e Mariana Gorski inauguraram a primeira Confeitaria Dama em 2011 e desde então vêm completando muitos aniversários com o empreendimento delicioso — já são 13 anos!
Daniela e Mariana Gorski inauguraram a primeira Confeitaria Dama em 2011 e desde então vêm completando muitos aniversários com o empreendimento delicioso — já são 13 anos! A confeitaria cresceu também em unidades na cidade: agora com seis lojas, a Dama se tornou uma marca que faz a gente acreditar em uma São Paulo doce e elegante.
O ícone: mil-folhas clássico da Dama
Dani e Mari são as rainhas do mil-folhas, coroadas com o título por público e crítica, todos aqueles que, como eu, não passam incólumes por qualquer dos endereços da Dama na cidade sem pensar: que tal um mil-folhas agora? Uma paradinha só para um café e mil-folhas; só para levar uma torta folhada para casa, só para escolher um mimo para presentear um querido... impossível sair sem um gostinho que seja! São doces leves e delicados, que têm o charme de serem lindos e perfeitos — as casquinhas inabaladas, o pirilimpimpim de açúcar imaculado como nuvens, as frutas frescas e sem frescuras.
As opções variam entre tarteletes, éclairs, pavês, bolos e a estrela da casa: o mil-folhas. Produzido diariamente, crocante, impecável, o mil-folhas da Dama é um ícone de excelência da marca e arrasta para o pódio outras variações, sejam os bolos de mil folhas, imponentes, ou as variações de recheios do doce unitário, que podem ser o clássico creme ou doce de leite. Já experimentei sabores temáticos nos festivais que a confeitaria realiza por temporadas. Em uma delas, dedicado aos sabores de diferentes países, provei limão siciliano, caramelo salgado e café. Não esqueci nenhum e a vontade de voltar a prová-los me permite fazer às garotas o pedido sem pudor: “coloca no cardápio fixo, por favor!”.
Bolo mil-folhas vestido para festa, com frutas perfeitas
Para minha sorte, Dani e Mari criaram há pouco tempo o Empório Dama, uma loja onde podemos nos divertir escolhendo bases, recheios, geleias e coberturas feitas artesanalmente para montar e finalizar como quiser.
A minha tartellete de chocolate e pistache: queridinha
Elegância nos doces, nas lojas, no serviço e na entrega que faz jus a tantos adjetivos que a Dama recebe. E prêmios! A confeitaria foi eleita a melhor doceria de São Paulo por três anos consecutivos (2017, 2018 e 2019), pela Veja, e já levou o prêmio da Folha de S. Paulo, O Melhor de São Paulo, nos anos de 2016, 2017, 2018 e recentemente, em 2024. É claro que eu vou passar lá logo mais: só de postar tanta crocância nessas mil folhas e elegância dos cremes e frutas entre elas, já estou com água na boca.
As sócias, as cunhadas Daniela e Mariana