SHOSHANA e o universo de sabores judaicos pelo mundo

O ambiente hoje e os registros do passado na parede do Shoshana, no Bom Retiro desde 1991

(foto Laís Acsa)

A dispersão do povo judeu pelo mundo ao longo da história marca a sua identidade e, por conseguinte, a sua culinária. A diáspora é uma força dramática presente em seus costumes que atinge os sabores da cozinha praticada em casa e nos serviços de alimentação — da cozinha de família aos empórios de alimentos, caterings, os restaurantes, as delis. Desde os primeiros tempos do Carlota, que comemora 30 anos instalado em Higienópolis, tradicional bairro judaico paulistano, a cultura e a comida judaica me aguçam os sentidos em proporções imensas, talvez em igual medida ao apoio e presença que a comunidade dedica à minha gastronomia e aos meus esforços empreendedores na alimentação na nossa querida São Paulo.

A culinária judaica na cidade, ashkenazi ou sefaradita, se espalha pelos bairros — Jardins, Santa Cecília e Higienópolis, Pinheiros, o Centro, e o berço histórico da migração, o Bom Retiro. Pode ser que você nunca tenha ido comer no Bom Retiro (trate de fazê-lo!), mas se algum dia visitou as lojas ou as inúmeras indústrias do bairro, possivelmente passou pelo Shoshana na calçada da Correia de Melo.

Diversidade: entradas, pastas, pratos e drinques da cozinha multicultural judaica no Shoshana (foto Laís Acsa)

O nome é o de Shoshana Baruch, que, com o marido, Adi, juntos fundaram o restaurante em 1991. A casa e os pratos se tornaram referência para a comunidade e toda a cidade. Em 2020, na crise durante a pandemia, Shoshi, como é chamada, anunciou o fechamento. Foi então que os amigos e frequentadores Benjamin Seroussi, Artur Hirsch e Inês Mindlin se uniram na missão de reerguer o lugar. Eles trouxeram investimentos e atualmente formam um grupo de 25 sócios responsáveis pelo negócio. Trataram da reestruturação da casa e a reinauguração aconteceu em 2022 — tudo para que o último clássico da cozinha judaica do bairro não encerrasse as atividades.

A proposta deu certo e o Shoshana incorporou à sua história o propósito de ser uma comunidade engajada em reproduzir, à mesa, a influência de todos os lugares onde há ou houve uma presença judaica. É a culinária diaspórica.

A equipe em frente à casa e a chef Ananda Lutzenberger: o time Shoshana (fotos Laís Acsa)

O cardápio mantém alguns dos pratos clássicos de Shoshana, caso da língua bovina e do famoso pudim de leite da fundadora, e ainda capricha nas inovações. Entradinhas e principais mesclam técnicas, preparos e ingredientes típicos dos diversos povos judaicos espalhados pelo planeta. É o caso do meu querido Gefilte Fish, por exemplo, o bolinho de peixe tradicional servido com chreim, molho de raiz forte e beterraba — há também na versão frita. E outros, como o Mish-mash, que mistura patês de fígado de galinha assado e de ovo perfeito, e os Latkes, as panquequinhas fritas servidas com ricota caseira. Nos principais, a Língua da Shoshi, receita oficial da matriarca, vem com salada de folhas e Varenikes recheados com batata. Adoro língua e sou exigente com o prato: o da Shoshana é espetacular!

Uma opção bacana que também me seduz são os sanduíches, um pouco NY, um pouco SP. A sopa Borscht, de beterraba caramelizada, habita minhas memórias entre os melhores sabores da vida; é servida fria ou quente, com creme azedo, em grande ou pequena porção — como entrada ficou perfeita. O Shakshuka, que tem som e tradução de coisas misturadas — ovos poché cozidos no molho tomatudo — foi uma escolha depois da Borscht, e ainda pedi com linguiça bovina picante à moda da África do Norte.

Varenikes, sanduíches e o shakshuka (fotos Lais Acsa)

Sobremesas fazem um espetáculo à parte na cozinha judaica. O doce de laranja e o pudim são queridos do público que a Shoshi conquistou. A Laranja do kibutz é como uma poesia, de tão bela, saborosa e metafórica:  brulê, é feita no açúcar de cardamomo e água de flor de laranjeira sobre uma farofinha do biscoito de azeite e alecrim da casa.

O pudim famoso da Shoshi e a laranja poética (fotos Lais Acsa)

Drinques estão em uma carta composta por Günter Sarfert, que mergulhou na cultura judaica para elaborar os coquetéis, com ou sem álcool. O Heschel é um drinque criado para homenagear importante rabino da comunidade dos Estados Unidos, nos anos 1960 — leva whiskey e krupnik, uma mistura de vodka, mel e especiarias, típica da comunidade judaica do leste europeu. Sextas-feiras é bom para provar bebidas, dia de “Boteco do Shabat”, a partir das 18h, com muita música e alegria.

O drinque Heschel (foto Laís Acsa) e muita música no Shabat, às sextas (foto divulgação)

Os nomes dos pratos, das tradições e canções soam divertidos, porque quase impossíveis de pronunciar com os diferentes sons da Língua Portuguesa. A dica está escrita no cardápio — e vale para tudo —, se não conseguir pronunciar, experimente.

Experimente o que não conhece, tente saborear o que é diferente e quem sabe gostar. Longa vida ao Shoshana e à diversidade multicultural de seus sabores!



Próximo
Próximo

O Fantástico Pirarucu