Longa vida ao chocolate brasileiro

O chocolate está presente na história da Humanidade há pelo menos 5.000 anos. Ele é consumido na forma em que o conhecemos faz pouco: a barra surgiu no século 19 e passou a ser produzida em larga escala no século 20. O que é o chocolate de origem, hoje — alimento produzido a partir do cacau de terroirs, cultivado de forma sustentável e a produção controlada da amêndoa à barra — é também o seu futuro próximo e possível. Inclusive no Brasil, onde estamos aprendendo seu real sabor e valor.

A Theobroma cacao é uma árvore da região amazônica que foi domesticada pelos povos mesoamericanos, os olmecas, antecessores de incas e astecas. Eles faziam um processo de fermentação e secagem das sementes da fruta, que assim ficavam saborosas e perfumadas. Trituradas, de molho, filtradas e coadas, elas produziam a tal bebida, amarga e revitalizante: o chocolate. Os espanhóis introduziram o chocolate na Europa e a bebida ganhou açúcar; os britânicos desenvolveram a primeira barra de chocolate, um suíço adicionou leite e outro incrementou técnicas de produção: assim fez-se a indústria do chocolate, que levou esse alimento para o mundo todo.

No Brasil, o cacau trazido pelos europeus prosperou na Bahia e, mais tarde, no Pará. O chocolate existente no mercado, hoje, é um produto alimentício que deve ter, no mínimo, 25% de cacau, segundo a legislação — existem projetos em tramitação requerendo que esse índice seja de pelo menos 35%. O chocolate fino, no entanto, é aquele produzido com cacau como principal componente, cuja qualidade está ligada também à origem da amêndoa, ao processo de produção e ingredientes adicionais. E aí chegamos ao bean-to-bar.

Magian Cacao: cacau baiano feito no Rio Grande do Sul (foto: divulgação Magian Cacao)

Foi na Bahia que provei o chocolate Magian Cacao, quando encontrei as barrinhas entre os bolos e gostosuras na vitrine do Santo Café, em Trancoso. O chocolate chamou minha atenção e ganhou meu gosto (que é o mesmo que meu coração), quando oexperimentei. Utilizando cacaus baiano e amazônico, é feito artesanalmente em Porto Alegre (RS) por um chocolateiro apaixonado, André Passow, que viaja enormes distâncias de Sul a Norte nutrindo os laços entre ele, produtores e os pés de cacau. E olha que o André leva a família junto!

 A ligação entre o produtor e o artesão do chocolate é parte essencial na elaboração dos chocolates bean-to-bar. No encontro Brazil Bean to Bar Chocolate Week, dedicado ao chocolate artesanal, durante um final de semana em São Paulo, é possível entender essa relação. O evento traz produtores de cacau, chocolate makers e especialistas dos chocolates de origem que apresentam ao público produtos e as histórias do grão à barra. Faz parte do evento o Prêmio Brasil Chocolate do Cacau à Barra, este ano em segunda edição, do qual tive a felicidade de fazer parte do grupo de jurados convidados a avaliar 31 amostras às cegas e premiar as melhores. Todas com o mínimo de 70% de cacau.

Foram três: Monjolo, de Campinas (SP), vencedora do bronze; o Mission, de São Paulo (SP), com prata, e o C’Alma, de Goiânia (GO), ganhador do ouro. As três marcas são comandadas por mulheres e todas trazem para a cena gastronômica e ao olhar do público o entendimento do que é um chocolate de qualidade e a importância do produto trabalhado do grão à barra.

O chocolate 70% da C’Alma, premiado com Ouro (foto: Studio Ode / produção: Bruna Brom)

A Mission e a barra premiada na categoria Prata (foto: divulgação Mission)

A Monjolo é uma marca que atua como curadora de chocolates bean-to-bar brasileiros criada pela pesquisadora Luana Vieira, PhD em cacau e chocolate. A barra selecionada foi feita com amêndoas do produtor João Rios, do terroir Tuerê, no Pará. É de lá também o chocolate que ganhou Ouro, da C’Alma, de Ariana Ribeiro, feito com amêndoas do produtor João Evangelista. A região paraense vem se desenvolvendo na produção de cacau de excelência, fazendo com que a origem Tuerê seja sinônimo de alta qualidade e complexidade de sabores nos chocolates que compõe. A marca destacada com prata é a Mission, da chocolatiére premiada Arcelia Gallardo, hispano-americana sediada no Brasil, chocolatier e professora empenhada na missão de trabalhar com produtores de cacau, fabricantes e de ensinar mulheres indígenas a fazer chocolate. Ela apresentou uma barra com um blend de amêndoas da Bahia e de Tuerê — a região produtora é uma unanimidade!

Essas marcas produzem barras clássicas com altas gradações de cacau e também fazem chocolates com sabores originais e alguns típicos, em blends, oferecendo experiências deliciosas. A Monjolo apresenta um chocolate intenso, 68% cacau, com azeite de oliva da Serra da Mantiqueira. A Mission oferece em seu portfólio chocolates com ingredientes brasileiros; por exemplo o chocolate ao leite com queijo da Canastra, que lhe rendeu prêmios, e um 60% cacau com rapadura e limão, em referência à caipirinha. A C’Alma rende homenagem à herança regional e produz o Pastelinho de Goiás, feito com chocolate de doce de leite e um toque de canela combinado a pedaços crocantes da massa do autêntico pastelinho goiano.

Assim caminha a produção chocolateira brasileira, reconhecida internacionalmente e, importante, pelos brasileiros, que passam a valorizar o produto construindo um futuro sustentável para o chocolate.

Monjolo e a barra de chocolate com azeite da Serra da Mantiqueira (foto: divulgação Monjolo)

Pastelinho de Goiás, homenagem da C’Alma Chocolates à tradição culinária da região (foto: Studio Ode / produção: Bruna Brom)



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